Pode o roraimense filosofar?
Matheus Oliva da Costa
Geralmente filósofos brasileiros citam autores franceses, alemães, ingleses ou dos Estados Unidos em seus textos e falas. Muitas vezes isso pode passar uma ideia aos ouvintes e leitores pouco acostumados com a Filosofia, de que essa mesma Filosofia é “coisa de europeu”, e talvez, também, para europeus. Se isso for verdade, pode também um roraimense filosofar? Te convido a investigar esse problema junto comigo, inclusive avaliando se discorda, concorda ou precisar pensar mais sobre meus argumentos.
(1) Em primeiro lugar, não há nada de intrinsecamente errado em citar filósofos europeus. Longe disso. Não apenas a Filosofia, como também uma série de conhecimentos atuais da Matemática, das Engenharias ou do campo da saúde ou das leis são devedores de ideias desenvolvidas pelos filósofos europeus dos últimos séculos, como Descartes, Foucault ou Raws.
(2) O que me insatisfaz é ser exclusivista, é usar apenas autores europeus e norte-americanos para responder filosoficamente aos problemas que desafiam respostas não apenas universais, mas também locais. Por exemplo, para responder o que é a “justiça” ou o que é “ser justo” podemos, sim, encontrar as respostas necessárias de Aristóteles ou Raws. Porém, talvez eles não sejam suficientes para responder especificamente como lidar com os conflitos entre garimpeiros e povos indígenas.
(3) Se a teoria desses autores estrangeiros já consagrados é suficiente ou não, mereceria uma investigação, e eu ficaria feliz de ver um filósofo ou filósofa roraimense fazer isso. Porém, já adianto que entender e aplicar as teorias desses autores estrangeiros não é suficiente para lidar de modo efetivo com esses desafios que a realidade nos impõe. E não é por qualquer falha teórica deles, mas sim pelo fato de que a resolução seria pontual e artificial se for “apenas” uma aplicação de modelos externos.
(4) Enquanto não houver uma apropriação organicamente inserida em adaptação ao seu contexto, as teorias estrangeiras podem apresentar muitos limites, e isso acontece com certa constância, nas minhas observações. Mais importante, enquanto a própria população local, de qualquer contexto, não se colocar como intelectualmente engajada a responder os desafios do seu ambiente, a força daquela cultura terá seu eixo sempre fora dessa mesma cultura. Assim, a apropriação de ideias e autores de fora pode ser um bom ponto de partida, mas o pensamento autônomo é que vai proporcionar soluções e respostas criativas e bem adaptadas aos desafios locais.
(5) Foi exatamente essa postura de absorver as sabedorias e técnicas estrangeiras, mas adaptá-las e reinterpreta-las de um modo único e novo que fez os gregos antigos tão importantes para a história da Filosofia. Árabes, judeus, chineses ou indianos, por exemplo, também souberam reelaborar ideias das mais diferentes origens para pensar seus problemas, e constituíram tradições filosóficas admiráveis. Nesse mesmo sentido, defendo que ao entrar em contato com teorias, práticas e autores externos ao nosso contexto, devemos sempre estabelecer um diálogo honesto, crítico e horizontal. Honesto, por buscar primeiramente entender as ideias do autor ou autora em seus próprios termos, compreender seus argumentos, antes de qualquer comentário. Crítico no sentido de ouvir com atenção, sem acreditar facilmente no que é dito, porém, estando aberto e atento também para aceitar, quando for o caso. E, principalmente, um diálogo horizontal: ao fazer uma leitura, saber que estamos lendo alguém tão humano quanto você, não sendo ninguém que seja melhor ou pior.
(6) Esse último ponto, da honestidade, criticidade e horizontalidade durante a leitura de uma obra ou um discurso, é um primeiro caminho que pode, finalmente, responder positivamente à nossa pergunta. Uma pessoa de Roraima pode sim filosofar, no sentido de uma investigação racionalmente conduzida, a partir da leitura de qualquer obra filosófica usando esse triplo método. É bem claro que roraimenses, assim como qualquer ser humano, pode perfeitamente refletir filosoficamente sobre obras, ideias ou autores que desejar, se conduzir suas leituras nessa direção.
Mas o ponto anterior não resolve os desafios apontados nos argumentos (2), (3) e (4). Ou seja, se um roraimense ler com honestidade, criticidade e horizontalidade uma obra filosófica estrangeira, continua sendo um filosofar dependente dessa exterioridade. Aqui a pergunta inicial se transfigura em algo mais preciso: pode alguém que é roraimense filosofar de maneira singular, com contribuições próprias, e diferente de filosófos(as) de outros contextos?
(7) O filósofo coreano residente na Alemanha, Byung-Chul Han, ao justificar o uso frequente de poesias no seu livro “Filosofia do Zen Budismo”, afirmou que “também sobre um objeto que não é filosofia em sentido próprio se pode refletir filosoficamente”. Em ensaio da revista Cult de número 204, a filósofa Elizia Ferreira escreveu no ensaio “Pensamento afro-brasileiro” que temas culturais como ritos religiosos afro-brasileiros podem, também, ser objeto de investigação filosófica. Em “Existem Filósofos no Brasil?”, recém publicado da revista Úrsula pelo filósofo Lucas Nascimento Machado, ele responde parcialmente a pergunta que é título do seu texto que falta à formação em Filosofia no Brasil estudar autores locais que tem produzido poderosos questionamentos filosóficos a partir de desafios específicos do Brasil, como Ailton Krenak, Daniel Munduruku ou Sueli Carneiro. O que Han, Ferreira e Machado tem em comum? Ambos apontam para a necessidade de filosofar a partir do que está em sua volta, do mundo que te rodeia, leitor e leitora. Seja por qualquer tema que você tenha envolvimento direto e que te instigue a filosofar, seja pela leitura de pensadores(as) que também te provoquem a pensar a partir do contexto cultural brasileiro.
(8) Finalmente chegamos a uma resposta mais direta. Defendo que para um ou uma roraimense filosofar de forma singular, essa pessoa precisa partir de inspirações ou casos concretos que fazem parte também da sua cultura local específica. Felizmente, Roraima tem uma riqueza de fontes que podem servir de base para reflexões filosóficas próprias. Por um lado, temos fontes inspiradoras como as narrativas indígenas únicas (como dos Macuxi ou Yanomani), artes afro-roraimenses como a música de Zeca Preto, ou ainda recursos naturais como o potente do sol equatorial ou a praia de rio doce em plena Amazônia. Por outro lado, temos situações que exigem reflexões filosóficas racionalmente bem conduzidas, como o fato do estado ser um “entre-lugar” entre vários países latino-americanos e as implicações disso nos intensos processos migratórios, a alta taxa de suicídio de adolescentes, ou ainda os conflitos entre o aumento da urbanização
e as culturas tradicionais.
(9) Nesse semestre em que tive a oportunidade de ser professor de Introdução à Filosofia para turmas de graduação em diferentes cursos da UERR, felizmente pude observar vários roraimenses fazem esse movimento de filosofar de forma singular. Lemos textos de Platão, Aristóteles, Sexto Empírico, Pierre Hadot, mas também da filósofa brasileira Marilena Chauí e do filosofo brasileiro Mario Porta. E, mais do que isso, discutimos leituras de autores como Ailton Krenak e Renato Noguera, que tem mostrado formas de filosofar a partir de bases indígenas e africanas. Em uma oportunidade, mais do que citar Platão, Krenak ou Chauí, a turma de Enfermagem solicitou que debatêssemos temas de bioética, uma das áreas mais “quentes” do debate filosófico mundial, ocasião em que fiquei orgulhoso de ver estudantes no seu primeiro período já desenvolvendo raciocínios acurados e argumentações bem fundamentadas. Assim, mais do que responder que seria possível, num futuro distante, ver roraimenses filosofarem de maneira singular e autônoma, eu presenciei isso.
Dessa forma, fica a sugestão de que roraimenses registrem de forma escrita, audiovisual (ou como desejarem) as suas reflexões e investigações filosóficas. Um bom exemplo é a filósofa formada pela UERR Eliza Menezes de Lima, que no seu canal do Youtube “Dois Gatos Pretos” apresenta ideias de Sócrates, dos filósofos pré-socráticos, e também de Filosofia Africana. Da mesma forma, acredito que uma sólida formação na graduação em Filosofia da UERR pode também fornecer bases para que roraimenses, e quem mais desejar, possa construir seu conhecimento dialogando com filósofos locais e internacionais, contribuindo para pensar mais cuidadosamente e de forma engajada com os desafios do seu próprio contexto.
Matheus Oliva da Costa
Professor do curso de Filosofia da UERR
Vamos transformar
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Os filósofos não fizeram senão interpretar o mundo. Devemos agora é transformá-lo”. (Karl Marx)
Há muito que aprender com os filósofos. Mas há muito mais a aprender conosco mesmo. Vivemos num mundo temeroso. Se prestarmos atenção veremos que praticamente nada mudou, desde o começo do mundo. O comportamento humano continua o mesmo, desde a idade da pedra. Que é, pelo menos, o que conhecemos. E o que conhecemos, conhecemos pelo que nos disseram os filósofos e historiadores. Então já é hora de começarmos a conhecer com o nosso desempenho no crescimento e desenvolvimento da humanidade.
Uma das coisas que mais preocupam no desenvolvimento da humanidade é que não nos desenvolvemos. Crescemos na caminhada que nos é orientada pelos que se julgam mais evoluídos. São eles que nos orientam e, na orientação acabam nos dirigindo. E lá vamos nós, acreditando mais nos outros do que em nós mesmos. Ainda continuamos acreditando nos blá-blá-blás dos que se dizem políticos e que na verdade, são espertalhões que nos fazem marionetes. Que é o que somos, porque sempre fomos, em todo o desenrolar da humanidade.
O Karl Marx tem mais uma que nos chama atenção para o engodo em que vivemos na política mundial. Porque o que somos na verdade é títere dos que vêm navegando na ilusão. Karl Marx diz: “O capital é como o vampiro. Só se anima quando chupa o sangue do trabalhador; e sua vida será tanto mais alegre quanto mais sangue chupar”. E como povo continuamos ingênuos a ponto de não ver os escândalos dentro da política, na roubalheira permanente e já ignorada.
Vamos parar um pouco com a perda de tempo com o tempo perdido nas discussões vazias e fúteis, enquanto deveríamos estar nos preparando para melhorar nossas vidas que dependem da política. E comecemos parando com essa pantomima de confundir política com esperteza. Não podemos crescer enquanto não crescermos politicamente. Vá pensando nisso enquanto se prepara para a próxima eleição. Valorize-se para poder ser um cidadão de fato. Porque ainda não somos. Ainda votamos obrigados a votar, quando deveríamos, como cidadãos, votar por dever de cidadão e não por obrigação de marionete dos políticos.
Vamos com calma. Não nos esqueçamos de que somos nós os responsáveis pelos desmandos na política. Todos os eleitos foram eleitos por nós. Logo, escolhidos por nós. O problema é que não sabemos, porque não fomos educados, se o nosso candidato merece ser responsável pelo nosso futuro. Vamos nos educar para podermos ser cidadãos. Mas não nos esqueçamos de que nunca seremos cidadãos enquanto não tivermos o voto facultativo. Pense nisso.
99121-1460