Cotidiano

Psiquiatra defende que doente mental não é bandido

Especialista lamenta preconceito e critica a falta de investimentos na rede de serviços psiquiátricos em todo País

O psiquiatra Laerte Tomé criticou o preconceito relacionado ao doente mental não só em Roraima, mas em todo País. Em entrevista na Rádio Folha, ontem pela manhã, ele lamentou o recente caso ocorrido em Boa Vista em que o paciente Patrick de Oliveira Rizo, de 19 anos, ao fugir do Hospital Geral de Roraima (HGR), roubou um carro, atropelou e matou a doméstica Hedelini de Nazaré Torres, de 30 anos, que estava grávida. O médico foi enfático ao afirmar que doente não é bandido, portanto, seu lugar é em um hospital, e não na cadeia.
No começo da entrevista, Tomé fez questão de dizer que não estava defendendo Patrick e solidarizou-se com os familiares da doméstica. “O caso serve para fazermos uma reflexão sobre a saúde mental. O caso é de altíssima complexidade. Falta tratamento adequado para esses pacientes. A saúde pública deixa a desejar”, lamentou.
Para reforçar seu posicionamento, Tomé informou que o Sistema Único de Saúde (SUS) investe apenas 2% dos seus recursos na rede de serviços psiquiátricos, o que, segundo ele, não permite que o Estado ofereça atendimento com mais dignidade aos doentes mentais.
No decorrer da entrevista, o médico não se esquecia de alertar sobre o crime de preconceito e discriminação, explicando que o doente mental é estigmatizado pela sociedade e taxado como violento. Mas o especialista garantiu que são raros os casos de doenças mentais que tornam o paciente violento.
“Uma pesquisa científica realizada na Europa apontou justamente o contrário e mostrou que 93% desses pacientes não são violentos. Muitas vezes, o que torna o doente mental violento é o manuseio estressante do paciente, que às vezes é conduzido com violência. Outros fatores externos também podem desencadear a violência nesses pacientes, por isso que digo que o caso é de altíssima complexidade”, frisou.
Para combater o preconceito com o público doente mental, Tomé lembrou que em Brasília já se discute até a psicofobia, ou seja, o ódio por doentes mentais. “Infelizmente, a maioria acha que o doente mental é violento e chama-o de doido, leso, retardado e outros termos pejorativos. O doente mental, que fique bem claro, também é um ser acometido por uma enfermidade. Portanto, deve ser tratado com respeito e dignidade”, reforçou.
No caso do Patrick, o psiquiatra defende que ele não sabia o que estava fazendo. O próprio paciente, segundo testemunhas, teria revelado que havia fumado maconha antes do atropelamento, o que, segundo Tomé, caracteriza a imputabilidade.
“Quero deixar bem claro que não estou defendendo o Patrick, mas abrindo uma discussão para que a sociedade reflita. Como já disse: doente mental não é criminoso. Portanto, o lugar dele não é na cadeia, mas em um hospital psiquiátrico”, reforçou.
O psiquiatra também lamentou como os doentes mentais são atendidos em Roraima. Quando internados no HGR, conforme o médico, os pacientes vão para leitos de curta permanência, o que não é correto. O certo, segundo Tomé, é ter um hospital psiquiátrico. “A internação é o último caso. Este paciente deve ser tratado preferencialmente em meio à sociedade, à sua família. O tratamento deve ser o menos restritivo possível, pois ele, como todos nós, também tem o direito à privacidade. Se o Patrick estivesse internado em um hospital psiquiátrico de custódia, isso teria acontecido?”, questionou Tomé.
Além da falta de investimentos no serviço de psiquiatria, o maior problema enfrentado pelo público, ainda segundo o médico, é o preconceito. “Vejam vocês como o preconceito existe. O rico é excêntrico, mas o pobre é doido, lesão. Na verdade, o doente é quem tem preconceito. Isso é uma doença”, finalizou.
CASO PATRICK – O paciente, que já tem um histórico de passagem pela polícia, fugiu do bloco psiquiátrico do HGR na quarta-feira da semana retrasada, dia 29, agrediu uma mulher no estacionamento da unidade de saúde e roubou uma caminhoneta. Depois, atropelou e matou a doméstica Hedelini de Nazaré Torres. Ele foi contido por populares e depois preso pela Polícia Militar. Da delegacia, Patrick foi encaminhado à Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (PAMC), onde permanece preso. (AJ)