Cotidiano

Professores abandonam as salas de aula por problemas psicológicos

Falta de estrutura, alunos indisciplinados e estresse contribuem para desistência da profissão

Ser professor não é fácil e, às vezes, pode ser muito mais difícil do que se imagina. Diariamente limitações e dificuldades são encontradas pelos docentes, contribuindo para que um quadro de problemas psicológicos se agrave. Seja por conta da desvalorização da profissão, falta de estrutura nas escolas e, a mais complicada delas, a indisciplina de alunos.

Nos últimos anos, o número de professores que decidem abandonar as salas de aula tem aumentado e contribuído para evidenciar uma realidade que ainda passa despercebida por muita gente. Mesmo que a educação seja uma das bases da educação de uma sociedade, são poucas as vezes que os professores recebem o prestígio de formarem cidadãos.

Em Roraima, na rede estadual de ensino, foram registrados 50 casos de professores afastados das escolas e, na rede municipal, o número chega a 79. Porém, conforme explicou a própria Secretaria Estadual de Educação e Desportos (Seed), os dados não representam a realidade e podem ser muito maiores justamente porque alguns docentes não procuram a rede pública para fazer o acompanhamento psicológico e optam pelo tratamento privado.

Um desses casos é o da Maria Analice Oliveira, de 45 anos. Ela lecionava desde os 16, quando ainda morava no Maranhão. Afastada há quase dois anos da sala de aula, a professora viu todo o processo de perda pelo amor à docência e criou um verdadeiro pânico de pensar em voltar a lecionar. “Eu gosto da minha profissão. Para mim era ótimo preparar minhas aulas e era muito gratificante. Eu podia estar passando por qualquer situação e, quando ia para a sala de aula, eu esquecia tudo, era um lazer com os meus alunos. Aí foram acontecendo algumas situações com alunos indisciplinados, rebeldes e eu era do tipo de professora que dava conselho, orientava, alguns gostavam, outros não”, relembrou.

Os primeiros sintomas apareceram em 2013, ao dar aula para uma turma de correção de fluxo, que são alunos em idade defasada e concluem duas séries em um ano, quando um dos alunos estava impedindo que ela continuasse a explicação da matéria para sair da sala. O aluno disse palavras ofensivas para a professora, que decidiu procurar a coordenação da escola, mas percebeu que não tinha mais condições de voltar para a sala.

“A gente tinha duas turmas muito perigosas, aluno do preguiçoso ao galeroso e aí eu já estava bem desanimada com isso. Não via retorno nem nas orientações que eu dava, nas reuniões de pais e mestres e também na aprendizagem. Nesse dia, a turma toda ficou observando aquilo e como eu já estava bastante adoecida, retornei no psiquiatra e ele me afastou. Eu fiquei numa situação tão crítica que eu não queria ver aluno, não podia ver alguém de uniforme, não queria contato com professores”, lembrou.

A professora ainda tentou retornar para as atividades no final do ano seguinte, mas em um lugar distante da turma de alunos, e ficou na sala de leitura. Somente em 2015 surgiu a vontade de tentar encarar o medo da sala de aula e, em um primeiro momento, o contato com novos alunos foi tranquila, mas por problemas pessoais, a depressão e as crises de ansiedade voltaram, foi quando decidiu ficar afastada de vez.

Questionada se pensa em voltar a dar aula, a professora descarta totalmente a possibilidade. “Trabalhei ainda um bom tempo doente e me afastei no final do ano. Fui readaptada e fiquei trabalhando no apoio pedagógico. Não tenho condições de voltar para a sala e acredito que não terei mais condições e isso é frustrante para mim porque desde então eu faço tratamento e a medicação não surti efeito”, lamentou.

Maria avalia o que é desistir da profissão que se dedicou por tantos anos e fica emocionada ao relatar a paixão que ainda sentia pela profissão, que foi um fator que a motivou a continuar trabalhando mesmo doente, pois tinha receio dos alunos ficarem sem aulas de Língua Portuguesa.

“Às vezes eu me pergunto, ‘meu Deus, como que pode tá acontecendo isso comigo? Era uma coisa que eu gostava tanto’. Eu sempre tive um carinho muito grande pelos meus alunos, como se fosse aquela mãezona de todos e é triste porque eu só sei fazer isso. A gente não tem retorno do Estado como a gente gostaria de ter, nas escolas falta tudo. Às vezes preparamos uma aula maravilhosa e quando chega lá não tem os recursos que a gente precisa. É desmotivante”, desabafou.

Por fim, a professora confirmou que tem conhecimento de colegas da profissão que já apresentam os sintomas de ansiedade e depressão, mas que acabam não procurando ajuda necessária. “Que procurem ajuda que não deixem ficar tão adoecidos como eu fiquei por amor a profissão. Os dias vão passando e a doença vai se agravando. Acredito que meu caso já está crônico. Eu faço tratamento e acompanhamento psicológico e não melhoro”, concluiu.

Rede estadual oferece acompanhamento psicológico

Para tentar evitar que os professores abandonem totalmente a sala de aula, a Secretaria Estadual de Educação e Desportos (Seed) procura readaptar os docentes em outras áreas para que não deixem as escolas. De acordo com a psicóloga da Seed, Francimeire dos Prazeres, a realidade do professor roraimense mudou nos últimos tempos, o que tem contribuído para que o número de casos aumente.

A profissional esclareceu que algumas turmas demandam muita energia dos profissionais de educação, caracterizadas principalmente pela indisciplina, e que acarretam no desgaste emocional que leva ao transtorno psicológico do professor. “Normalmente, esses transtornos são ocasionados por desequilíbrio emocional. Às vezes eles não conseguem lidar bem com suas emoções, só que chega um momento que eles não conseguem mais lidar com isso”, disse.

Problemas familiares ou no âmbito pessoal também podem contribuir para que o professor fique desmotivado, mas que a desvalorização profissional e as problemáticas enfrentadas dentro da sala de aula, como alunos que sofrem bullying, usuários de drogas e, agora, membros de facções criminosas, refletem diretamente no docente.

“Quem tende a receber diariamente mais de perto é o professor da sala de aula. Então essa sobrecarga cai sobre ele porque ele é o profissional da unidade de ensino mais ligado a essas problemáticas. Essa resposta às vezes é voltada para os profissionais de ensino como agressões, verbais e físicas, indisciplinas de várias formas”, continuou a psicóloga.

Ao procurar o apoio psicológico estadual, os professores passam por uma conversa com a profissional especializada que irá analisar se deve continuar o tratamento e, sendo assim, o encaminhamento para o acompanhamento psicossocial. Dependendo da gravidade da situação, são afastados para tratamento no tempo que o psiquiatra julgar necessário. 

“Alguns percebem que estão melhores e querem retornar. Outros veem que ainda não conseguem o retorno imediato, que precisam de um tempo maior de tratamento, o que nós chamamos de readaptação. Às vezes sofreram estresses pós-traumáticos e ficam emocionalmente impossibilitados de retornar a lidar com aquele trabalho que faziam”, ressaltou a psicóloga. 

Mesmo com a mudança de perfil dos alunos, a psicóloga diz que os professores precisam entender até onde podem receber as problemáticas dos alunos e, caso percebam que está acontecendo algum desequilíbrio emocional, procurar ajuda profissional. (A.P.L)