Cotidiano

Ampliar discussão do tratamento pode auxiliar na prevenção da doença

Atualmente, o câncer do colo do útero é o terceiro no número de casos no país, perdendo somente para os tumores na mama e no cólon

Dos dez tipos de câncer mais incidentes nas mulheres no Brasil, o câncer do colo do útero aparece em terceiro lugar, atrás apenas do câncer de mama e do cólon, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Apesar de uma ampla divulgação do Ministério da Saúde e das organizações não governamentais das medidas de prevenção à doença, como a vacinação contra o principal agente da doença, o vírus do papiloma humano (HPV), ainda pouco se sabe do impacto do tratamento na mulher que é diagnosticada com a doença.

Segundo informou a médica Maria Pilar Estevez Diz, do Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP), durante evento promovido pelo Instituto Oncoguia nesta semana em São Paulo, é preciso ampliar a discussão sobre as formas e impactos do tratamento, de acordo com o estágio da doença, também como uma maneira de reforçar a importância dos métodos de prevenção.

“Quando a paciente desenvolve o câncer, o tratamento pode ser composto basicamente de quatro estratégias: a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia e combinações entre elas. A cirurgia é muito importante para saber a extensão da doença, mas ela está limitada para os estágios iniciais, ou seja, menos de 20% dos casos poderão ser tratados exclusivamente com a cirurgia”, afirmou Pilar.

Conforme a especialista, são três tipos de cirurgia: a criocirurgia a laser, que consiste na retirada das células malignas e não se aplica ao câncer invasivo; a conização, que consiste na retirada de um fragmento em formato de cone do colo do útero e, mais raramente, a retirada completa do colo uterino.

PRIMEIROS ESTÁGIOS – De acordo com Maria Pilar, nos estágios mais precoces da doença, as cirurgias podem ser usadas como alternativa. Em alguns casos, além da retirada do corpo do útero e das células uterinas, é recomendada a retirada de todo o útero, inclusive o terço superior da vagina, paramétrio (membrana que mantém o útero fixo na pelve) e eventualmente a retirada dos ovários, dependendo do caso.

“Não é uma cirurgia pequena e sem nenhuma consequência. A infertilidade é um evento frequente no tratamento do câncer do colo do útero. A maioria das pacientes acaba não conseguindo engravidar no futuro. Vale ressaltar que as técnicas são consideradas alternativas com resultados semelhantes, dependendo de cada caso e da tecnologia que o local que vai fazer o procedimento tem. Do ponto de vista do resultado, elas são todas semelhantes e não conseguem minimizar tanto os riscos em longo prazo”, esclareceu.

ESTÁGIOS MAIS AVANÇADOS – A maioria das pacientes com câncer do colo do útero no Brasil não é candidata às cirurgias por se encontrar normalmente em um estágio mais avançado da doença e são incluídas no tratamento de quimioterapia e radioterapia.

“A quimioterapia e a radioterapia são o tratamento padrão para o câncer do colo do útero avançado, com metástase, e é o que tem os melhores resultados em termo de sobrevida global, que é o tempo de vida após o diagnóstico”, informou a especialista. “A quimioterapia e a radioterapia combinadas aumentam a expectativa de vida das pacientes quando comparada com a radioterapia isolada e é muito superior às cirurgias, então, esse é o tratamento padrão, aceito internacionalmente”, afirmou.

A quimioradioterapia concomitante, ou seja, quando se alia os tratamentos, reduz o risco de morte do câncer do colo uterino em 30% a 50% dos casos de estágios avançados, segundo Maria Pilar. Na prática, a intervenção funciona da seguinte forma: as pacientes são examinadas, avaliadas e é feito um planejamento para aplicação da quimioterapia e radioterapia. O tempo médio de tratamento é por volta de cinco a seis semanas da radioterapia feita em toda a pelve e uma vez por semana da quimioterapia.

Ao término da radio, as mulheres vão receber outro tipo de radioterapia, que é a braquioterapia, um tratamento mais focado, localizado no colo uterino, em que é possível dar uma dose bastante elevada de radiação e com isso aumenta a eficiência do tratamento, porém, o processo é muito mais doloroso, avaliou Pilar.

Falta de equipamentos médicos, dores crônicas e preconceito dificultam tratamento

Um dos principais problemas para a realização do tratamento de câncer de colo do útero nas pacientes no Brasil é falta de equipamentos no setor da saúde pública, conforme a médica Maria Pilar Estevez Diz, do Instituto do Câncer de São Paulo. “Nós não temos números de aparelhos de radioterapia suficiente para a demanda, o que leva um tempo de espera muito grande e isso influencia diretamente no desempenho do tratamento. Também precisa de uma coordenação entre os serviços, no caso do tratamento em conjunto de radio e quimioterapia e o tempo de duração do tratamento”, comentou.

Outra dificuldade do tratamento são as consequências para a mulher. “Nesse caso, o tratamento preserva o cabelo, mas por outro lado as medidas estão associadas com náuseas e vômitos, a infertilidade, falência ovariana, ou seja, as mulheres entram na menopausa durante ou logo após o tratamento, dor para evacuar, dificuldade para urinar, diarreia e a disfunção sexual. A vagina está no campo da radiação então as mulheres podem ter dificuldade na relação sexual com maior frequência”, informou.

Com a disfunção sexual também entra o preconceito com o tratamento tanto da própria paciente e com seus companheiros, pois, em alguns casos, é necessária a realização de fisioterapia que ajude na flexibilização da vagina com um pênis artificial. “É muito difícil pra paciente aceitar por questões de preconceito e, quando ela tem um parceiro, é mais difícil ainda porque raramente o parceiro aceita que ela faça esse tipo de intervenção”, salientou.

Apesar das aparentes dificuldades de implantação, a médica salientou que os tratamentos ainda são a melhor alternativa para as mulheres diagnosticadas com câncer do colo do útero. “Não é um tratamento simples, é bastante desgastante para a mulher e por se tratar de questões muito íntimas, que são questões de sexualidade e de funções orgânicas que nós não estamos acostumados a falar, as pacientes sofrem muito e muitas vezes têm dificuldade para dialogar até com o seu próprio médico, quanto mais com familiares. Mas é o melhor tratamento que temos para oferecer para os pacientes e deve ser iniciado o quanto antes”, reforçou. (P.C)