Saúde e Bem-estar

Acompanhamento é questão de saúde pública, afirma médica

De acordo com pesquisa recente, milhares de mulheres ainda relatam ter vergonha da consulta; falta de acesso público e informações também impactam em resultados

Vergonha, dificuldades de atendimento e achar que não há problemas de saúde representaram algumas das explicações para que mais de quatro milhões de mulheres nunca fossem ao médico ginecologista-obstetra. Aquelas que não costumam ir ao especialista, chegaram a 5,6 milhões e as que frequentam, mas estão há mais de um ano sem fazer o retorno, representam 16,2 milhões de brasileiras.

A ginecologista Luciana Arcoverde calcula uma média de 40% das avós que acompanham as netas nas consultas que nunca foram ao especialista, mas que a taxa pode ser maior porque as pacientes ainda ficam constrangidas em confessar a falta de frequência. Ela apontou que há diversas situações que colocam a mulher nessa posição.

“Elas sabem a importância de ir ao médico, mas não querem dizer que vão. Entre o discurso e a prática, existe uma série de situações. Uma coisa é uma mulher do interior que não tem médico perto. Existe saúde para todos, mas existe viabilidade para todos? É diferente”, destacou.

Os dados são de uma pesquisa da Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em parceria com o Datafolha e foi feita com mulheres acima dos 16 anos em todas as regiões do País. A maior parte delas, de seis a dez, procuram atendimentos na rede pública de saúde. Outros 20% vão a consultórios particulares e 20% possuem plano de saúde.

Na pesquisa, foi apontado que, em média, a primeira consulta ocorre aos 20 anos por problemas ginecológicos, com 20% ou suspeitas de gravidez, representando 19%. A prevenção ficou em primeiro lugar como principal motivo para atendimento, com 54%. Geralmente, as mulheres vão após motivação de parentes ou amigas. Apenas duas em cada dez, tomam iniciativa própria.

Para Luciana Acorverde, o acompanhamento com o médico especialista não se resume apenas à saúde íntima, mas também ao físico e mental da mulher. Ela defende que esse cenário é resultado de uma construção social que criou um tabu para que as mulheres vissem a importância de cuidar do próprio corpo.

A médica frisou que sem o atendimento, há um aumento da vulnerabilidade da saúde da mulher e também da saúde pública. Para diminuir esse dano, ela afirma que o cuidado é uma questão de autoestima e zelo com o próprio corpo, e que devem ser inseridas essas questões desde muito cedo para que crianças cresçam com a consciência da saúde íntima.

“Sobre a vergonha, tem que ser derrubada. Tem que saber que vai procurar um profissional de saúde que vai orientar, educar e buscar a melhor forma da solução do problema ou amenizar. É uma relação de confiança, é um amigo com a disposição de orientar”, completou.

Luciana justifica que haja uma melhora na primeira consulta da adolescente, para que possa evitar traumas futuros quando precisar voltar ao consultório.

“Não podemos pensar somente quando ela for adulta e estiver grávida, tem que pensar na saúde da mulher muito mais lá trás. Existia aquela questão da mãe ou avó estar presente e falarem para não terem vergonha. Não é assim, existe um convencimento e explicar as mudanças que o corpo vai ter.”

Os resultados da Febrasgo mostraram que 62% das entrevistadas têm parceiro sexual e 74% já tiveram filhos. Das que estão na menopausa, apenas 22% foram registrados. Segundo a médica, isso é um reflexo de mulheres da mesma família que também não tinham ou nunca foram ao especialista e acabaram repassando a falta de cuidados para as filhas e netas.

“Nas orientações, vai inserir também os cuidados da violência sexual, exposição às drogas, doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), questão da gravidez não planejada… é uma conversa extremamente abrangente, integrada. Quando mostra para essa menina que tem um aliado, quando chegar à consulta com dúvidas, ter as respostas com mais clareza”, continuou.

Políticas públicas deveriam sermelhoradas, defende historiadora

Com um problema de saúde aos oito anos, a professora de História da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Eli Macuxi fez a primeira consulta ginecológica, mas só voltou a ir ao médico de forma mais regular quando tinha 15 anos. Ao se casar com 16, ela fez o acompanhamento normalmente e descobriu que estava grávida de trigêmeas no oitavo mês.

O diálogo com as filhas, de 27 anos, sempre esteve presente em casa e a professora tenta dar o exemplo indo ao especialista pelo menos uma vez ao ano.

“Faço o controle do papanicolau e da mamografia, e elas sempre sabem que estou indo. Eu as levei ao médico quando estavam na transição da infância para a adolescência. Agora, elas são adultas. É um processo de descoberta pessoal”, revelou.

Para ela, o mais importante é ter acesso às políticas públicas de acesso à saúde para mulheres, sendo a demora em marcar atendimento o pior ponto.

“O Estado brasileiro ainda não dá assistência necessária à mulher como deveria, ou vamos responsabilizar a mulher por um problema que ela não está causando”, destacou.

Vergonha é um dos principais entraves para procura de um especialista

Das que não frequentam ou nunca foram ao ginecologista, a pesquisa apontou que as razões alegadas estão em “não preciso ir, pois estou saudável” (31%) e “não considero importante ou necessário ir ao ginecologista” (22%).

Uma estudante de Comunicação Social de 28 anos está nesse meio, mas por vergonha e por achar que os exames devem ser invasivos e desconfortáveis.

“Às vezes, eu fico receosa, principalmente quando ocorrem alterações na menstruação e não sei bem os motivos. Mas, geralmente, não me preocupo muito ao ponto de ir ao ginecologista”, relatou sem preferir se identificar.

Ela não descarta a possibilidade de ir ao médico, justamente para pegar orientações, mas não sabe quando vai se consultar.

A estudante afirmou saber da importância do médico e destacou que sempre foi orientada pela família, mas acrescenta que isso não tirou a vergonha de realizar o atendimento. (A.P.L)