Opinião

Opiniao 07 12 2019 9427

 Política da dor de dente   Rodrigo Alves de Carvalho*   O prefeito Matias Augusto e o dentista Plínio Gomes eram inimigos políticos desde a chamada abertura política lá nos anos oitenta. O prefeito, republicano das antigas, um tanto quanto reacionário com fortes raízes no coronelismo de outros tempos comandava a cidade com mãos de ferro e com isso poucas pessoas se dispunham a enfrentá-lo. Plínio Gomes era o único odontologista da cidade e oposicionista ferrenho de Matias Augusto. Doutor Plínio era um democrata liberal, se bem que muitas pessoas, inclusive o prefeito Matias o considerasse comunista. Os ânimos na política eram muito acirrados, chegando desde bate boca nas ruas até agressões físicas em botecos ou bordéis da cidade. Era madrugada quando o prefeito Matias Augusto começou a sentir aquela dor de dente latejante que em poucos minutos se transformou numa agonia insuportável. Os remédios apenas faziam a dor aumentar chegando ao ponto de não mais aguentar e ser obrigado a bater na casa de seu desafeto Plínio Gomes às duas horas da manhã. Entre incredulidade, espanto e muita satisfação, doutor Plínio recebeu o prefeito cabisbaixo, pedindo para que fizesse a dor de dente passar. Deitado na cadeira, com a boca arreganhada cheio de algodão e aquele sugador barulhento, o prefeito viveu o pior pesadelo de sua vida. Não pelo tratamento do dente, mas por ter que se sujeitar ao inimigo e naquela situação ter que concordar com as colocações que Plínio Gomes fazia com o motorzinho em ação. – O senhor prefeito concorda que precisa ouvir mais as pessoas em assuntos referentes aos gastos públicos? O prefeito balançava a cabeça em sinal de positivo e resmungava: – Hum, hum, hum… – O senhor concorda que precisa melhorar as condições nos bairros, mesmo que não seja reduto eleitoral do senhor? – Hum, hum, hum… Depois de uma hora de tortura, finalmente doutor Plínio termina o serviço. O prefeito se levanta e sai sem dizer palavra alguma e não era por causa da anestesia. Seus olhos eram puras labaredas da raiva e constrangimento que o enfurecia ainda mais. Naquela mesma manhã, o prefeito partiu para a cidade vizinha onde chegou ao consultório de um dentista local e ordenou que lhe arrancasse todos os dentes. Somente à noite voltou para casa, com o rosto inchado e a boca murcha, porém, satisfeito por nunca mais ter que concordar com seu inimigo político, mesmo que para isso tivesse que viver o resto da vida sem nenhum dente na boca.   *Nascido em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

PRETOS, PARDOS E PEDRAS 

Wender de Souza Ciricio*

Alívio e um enorme “que maravilha” é o que discursa o quadro do espanhol Modesto Brocos, de 1895, batizado com o nome de “A Redenção de Cam”. Na pintura uma senhora negra, aparentemente feliz e leve, com as mãos erguidas. Sentados, em um sofá, um casal atípicopara época, ou seja, um homem branco com sua esposa negra e um bebê branco. O pintor estampa nesse quadro duas situações épicas: a primeira revela que o imigrante esteve no Brasil não apenas para exercer o trabalho livre mas também para favorecer no branqueamento da sociedade. A segunda situação expõe a alma suavizada e abrandada de uma negra que vê no neto branco a chance de encontrar um espaço num contexto histórico em que o mesmo está a deriva, sem escola, sem emprego, sem luz e sem glória. Um mundo estruturado para atender as demandas e os sonhos dos brancos, dos ricos, dos barões e dos nobres.  O Brasil daquela época ainda coisificava o negro, o Brasil daquela época era pequeno para negros que precisavam, como qualquer ser humano, comer, se vestir, ter abrigo e trabalho. Naquele passado entre a abolição e o novo Brasil republicano uma grande camada da população tinha um nó na garganta contido pela impossibilidade de se construir algo que lhe conferisse dignidade, história e estabilidade. A pintura de Modesto Brocos é o retrato de alguém que vê no neto, um vislumbre e uma pequena chance de esbarrar naquilo que os pudesse fazer crescer, viver sem o risco da fome, do menosprezo, da escassez e escapar do ostracismo social. Infelizmente vários brasileiros, inclusive aqueles que preferem interpretar o mundo sem percepção histórica, ainda se incomodam quando negros conquistam alguns direitos que lhes foram negados lá no passado. Alguém, agora no presente, tenta dar a esse gênero algumas chances que servem para reparar as ausências no passado e aproximar o negro daquele que saiu bem a frente na pista de corrida da história. Alguns, ignorando tanto a história como dados estatísticos, bradam sobre a meritocracia, que, sem dúvida, seria ótimo quando todos tem oportunidades e ferramentas iguais, o que não é palpável num Brasil de escolas básicas podres, limitadas e muito aquém do ideal, do essencial e do que prepararia para um embate em condições iguais. Por isso pedras chovem nos telhados dos que defendem as oportunidades que, hoje, são oferecidas aos negros e pardos.  Para piorar é que muitos, mesmo tendo uma árvore genealógica e crendo em personagens da história segundo suas conveniências, dizem que não tem que se responsabilizar em nada do que é reflexo da história. Mal sabe esse ser humano que a história desmascara o presente e previne quanto a um futuro que possa ser nocivo e funesto. Ignora que o presente foi construído lá atrás e que um país que quer crescer, receber investimento tem que habilitar os seus e dentre os “seus” mais da metade são negros e pardos. Postura de negação não assusta tanto num país em que a fonte bibliográfica de uma maioria é o “eu acho”, “essa é minha opinião” e onde gastam mais energia discutindo sentimentos desprezando ideias e conteúdos.  O negro está ai, vivo, tentando, suportando e transpondo preconceitos e indiferenças. Foram mais de 300 anos de chicote, de canavial, de navios negreiros e de ser tratado como uma coisa, uma mercadoria e um objeto. Os dados de órgãos governamentais revelam que, apesar de ter muito a conquistar, já conquistaram espaços que lá no passado era privilégio de poucos. Talvez o mais duro de superar seja os preconceitos e racismo estampado na arrogância e prepotência de algumas almas ocas, vazias e cheias de recalques. Enfim, o progresso virá, e com ele o preto e o pardo livre das pedras, como aquela negra, na pintura de Modesto Brocos, subirá a montanha para concluir o que a história e alguns no presente tentam minar, ofuscar e atrapalhar.

*Historiador, psicopedagogo e teólogo [email protected]

Busca da identidade

Oscar D’Ambrosio*

Uma das principais vantagens de lembrar o passado na arte é que se trata de uma ação para que não seja repetido. Nesse sentido, filmes que enfocam as ditaduras na América Latina, sejam no Brasil ou no Chile, como é o presente caso, são muito bem recebidos, principalmente por tratarem a questão não como frio documentário, mas sob aspetos humanistas. A diretora brasileira Flavia Castro, em “Deslembro”, enfoca uma família que conversa em três idiomas ao mesmo tempo. Ela volta da França para o Brasil com os benefícios da anistia, mas o retorno não é simples nem harmonioso. A rebelde filha adolescente (a promissora Jeanne Boudier), chega a rasgar o passaporte para tentar não viajar com a mãe, que perdeu o ex-marido como desaparecido político no Brasil, com um novo parceiro, um ativista político chileno e dois irmãos mais novos. Entender o passado é um esforço e inclui o momento em que a filha consegue reconhecer a casa em que o pai foi preso pelas forças policiais. Eliane Giardini, como avó paterna da jovem rouba a cena com simpatia e carinho e pela neta e com a dor represada de nunca ter encontrado o cor
po do filho. Em meio a isso tudo, a protagonista descobre o sexo, as drogas e a música brasileira. Fala francês com a mãe; espanhol com o padrasto; e português com a avó, muitas vezes mesclando os idiomas, numa clara demonstração de sua mistura de identidades, de vozes e de visões de mundo, senso o ícone de um mundo globalizado em busca de uma identidade talvez cada vez mais impossível de encontrar.

*Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Nossos filhos

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Vossos filhos não são vossos filhos. São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós e não de vós. E embora vivam convosco não vos pertencem.” (Gibran Khalil Gibran)

Não faça do amor que você tem pelo seu filho, um espetáculo grosseiro e, de certa forma, ridículo. O amor é uma construção. E não podemos construir a felicidade familiar com espetáculos dantescos. O Og Mandino nos dá uma lição de como devemos ver, receber e manter, nossos filhos como nossos filhos. Um dos exemplos mais notáveis que já conheci. É pena que nós ainda vivemos os sentimentos de uma maneira de certa forma ilusórias. Não podemos construir com amor, destruindo com arrufos e sentimentos grosseiros. Nossos filhos vêm através de nós. Nós colocamos a semente para que ela brote. E é o fruto que vem, e colhemos, da semente que plantamos, que devemos cuidar e preparar para o futuro dele. O “Senhor X” do Og Mandino nos dá esse exemplo. Moisés Hause, (Assim mesmo, com A) certa vez me disse, ali na Praça do Centro Cívico: “O bom exemplo é, e sempre será, a melhor didática.” Eduque seu filho com os melhores exemplos que você puder lhe dar. “Quando você se preocupa quando sua filha sai à noite com as amigas dela, porque você não confia na educação que deu pra ela.” Simples pra dedéu. Quando sabemos encarar os trancos que nossos filhos sofrem, estamos lhes dando um exemplo de que estamos encarando nossa falha na educação que lhes demos. Então não há porque fazermos espetáculos doentios. Dar apoio é apoiar. E apoiar é encarar os fatos e contratempos, com personalidade.  A Educação é o instrumento mais eficiente para a criação de uma sociedade sadia e competente. Então vamos educar nossos filhos para que eles possam educar os filhos deles. E pelo que vemos, vamos nos arrastando pelo pantanal da educação sem educação. Vamos dar mais atenção ao bom exemplo na construção da família. O nosso comportamento em relação aos nossos filhos não deve ser espalhafatoso nem grosseiro. E o que temos de maus exemplos na nossa cultura não tá no gibi. Então vamos ser mais racionais nas divulgações de exemplos que não são exemplos. São demonstrações de despreparo nos meios de orientações e informações.  Devemos prestar mais atenção às orientações que nos dão em relação à nossa cultura familiar. O amor só constrói. Ele é o esteio mais poderoso na construção da racionalidade. Ou cuidamos do nosso crescimento racional ou continuaremos navegando em pirogas furadas. Eduque seu filho com amor, mas com severidade racional. Você o está preparando para o futuro dele e não para o seu. Pense nisso. 

*Articulista [email protected] 99121-1460    

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