Cotidiano

Venezuelanos passam a morar nas calçadas e ruas de Pacaraima

Ruas, calçadas e praças foram ocupadas pelos estrangeiros e autoridades brasileiras não dão assistência

Milhares de venezuelanos ocupam ruas, calçadas e praças na sede do Município de Pacaraima, a 190 quilômetros da Capital pela BR-174, região Norte de Roraima, na fronteira com a Venezuela. Os estrangeiros atravessam a fronteira fugindo de uma crise financeira jamais vista no país vizinho. Do lado brasileiro, eles fazem qualquer coisa para conseguir comida. A grande maioria trabalha como ambulante. Eles vendem de tudo, de meias a sabão.

“Não temos nem o que comer na Venezuela. Não tem emprego, segurança e saúde. O governo é opressor e por isso não podemos nem reclamar. Viemos tentar a vida aqui, no Brasil. Pelo menos aqui podemos reclamar”, disse o universitário de Educação Física, Ruan Ballero, de 28 anos.

As ruas e calçadas foram tomadas pelos vendedores venezuelanos, que disputam de forma acirrada cada cliente brasileiro. À noite, eles atam suas redes debaixo de árvores, em pontos comerciais com cobertura ou dormem nos bancos das praças públicas. Como não há banheiro químico, eles fazem suas necessidades em qualquer lugar, o que provoca um risco à saúde pública.

A professora Lediane Santos, de 39 anos, moradora do Centro, reclama da situação e cobra providências das autoridades brasileiras. “Eles não recebem nenhuma assistência do nosso poder público, mas temos que lembrar que são seres humanos que precisam de ajuda, pois estão desamparados agora, a mercê da própria sorte”, lamentou.

O carreteiro Xavier Nuñe, de 30 anos, fritava arepa, uma comida tradicional venezuelana, ontem pela manhã, ao lado de um supermercado, na frente da Delegacia da Polícia Civil, no Centro de Pacaraima. A mulher e os filhos do venezuelano ainda dormiam em redes atadas em uma área externa do ponto comercial. O fogareiro foi improvisado com tijolos e carvão.

“Não há trabalho na Venezuela. A situação está crítica. Falta comida e remédio. O governo é opressor. Viemos para cá para trabalhar e tentar uma vida melhor”, alegou o carreteiro. Depois, ele colocou as arepas em uma bacia e foi vender.

Os venezuelanos também ocuparam a principal praça da cidade, no Centro. Lá eles são procurados para fazer qualquer tipo de serviço informal. Enquanto uns trabalham, outros tomam conta das crianças e fazem comida. As árvores da praça viraram “banheiro” e a vizinhança reclama do forte odor de urina e fezes. Para piorar a situação, o lixo se acumula por todo canto. (AJ)

Prefeito vai decretar situação de emergência

O prefeito de Pacaraima, Altemir Campos (sem partido), disse que vai decretar, nos próximos dias, situação de emergência em Pacaraima. Com isso, ele espera receber recurso extra dos governos para amenizar a situação dos munícipes e até mesmo dos venezuelanos. Ele reclamou que, apesar da situação caótica, não recebe ajuda nem do Governo do Estado nem do Governo Federal.

Sobre a sujeira, disse que alugou mais dois caminhões para fazer a coleta de lixo. Antes da imigração dos venezuelanos, Campos disse que o carro coletor passava três vezes por semana, mas agora passa três vezes por dia. “Aumentou muito a quantidade de lixo na cidade. Agora todo dia estamos fazendo a coleta e a limpeza”. (AJ)

Crianças venezuelanas ficam sós ou trabalham para ajudar a família

Crianças e adolescentes venezuelanos também trabalham como vendedores em Pacaraima. É comum vê-los nas esquinas movimentadas, vendendo vários produtos. Alguns ainda não têm nem 12 anos. Mas, apesar do risco social que elas correm, as autoridades brasileiras nada fazem, segundo os comerciantes.

“Ajudo minha mãe. O que ganho é para comprar comida. A gente dorme bem ali, debaixo daquela árvore”, apontou Ruan Carlos, de 11 anos. O menino não está estudando e a equipe de reportagem da Folha não conseguiu localizar seus pais. (AJ)

Pacientes venezuelanos lotam hospital brasileiro

O número de atendimento no hospital de Pacaraima dobrou nos últimos meses, segundo os enfermeiros. De cada dez pacientes, oito são venezuelanos. As doenças mais tratadas são malária e leishmaniose. O número de partos também aumentou.

Mas, apesar do número de atendimento ter aumentado, faltam remédios, materiais hospitalares e até ambulância no hospital. “Há um ano que não temos ambulância. Quando o caso é grave, a família do paciente é quem o leva para Boa Vista. Médico também já levou no seu próprio carro. É uma falta de respeito com a população”, reclamou um servidor público, que preferiu não se identificar.

No mês passado, os enfermeiros tiveram que ir até a Venezuela emprestar uma ambulância no Senit, que é a principal aduana ecológica de Santa Elena do Uairén, cidade venezuelana que faz fronteira com Pacaraima. “Então, eles nos atenderam e conseguimos salvar a vida da brasileira, que foi levada para Boa Vista”, lembrou.

Segundo os enfermeiros, ontem não havia cateter, antibiótico, luvas, esparadrapos e gel. A ambulância continuava enguiçada. “Atendemos aos moradores daqui, das comunidades indígenas e da Venezuela. A demanda é grande. São 70 pacientes atendidos em uma manhã, mas não temos condições de trabalhar”, lamentou.

SESAU – A Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) disse que todas as unidades do interior serão contempladas com ambulâncias novas. O processo de compra já está em andamento e dentro de 30 dias deverá ser concluído.

O veículo que atende o hospital de Pacaraima, segundo a Sesau, se envolveu em um acidente de trânsito que provocou muitas avarias na viatura, que atualmente está em manutenção. Enquanto isso, a ambulância do município vizinho, Amajari, é deslocada para dar suporte à unidade quando há necessidade, uma vez que a ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), de responsabilidade de Pacaraima, é quem deveria prestar este suporte, mas está quebrada há vários meses.

Sobre a falta de medicamentos e materiais, a Sesau esclarece que rotineiramente são recebidas novas cargas para atender às unidades, no entanto, precisa adotar todos os trâmites previstos na Lei de Licitações, o que, em alguns casos, pode retardar a aquisição ou entrega de algum material ou medicamento específico. Frisou que vem reforçando as ações de planejamento, a fim de evitar o desabastecimento nas unidades. Já os medicamentos básicos devem ser fornecidos pelo Município.

População reclama da insegurança

O número de ocorrências policiais dobrou em Pacaraima. Policiais militares informaram à Folha que quase todo dia venezuelanos são presos na cidade, suspeitos de furtos e de assaltos. O número de arrombamentos de casas e lojas também aumentou.

“Recebemos chamadas a todo instante. Antes o serviço era mais calmo, mas, agora, com esta imigração dos venezuelanos, os crimes acontecem com mais frequência. O problema é que não aumentaram o nosso contingente, por isso estamos trabalhando sobrecarregados”, reclamou um policial militar.

A empresária Selma Linhares, de 58 anos, reclamou da falta de segurança. Relatou que foi alvo dos bandidos, no mês passado, e acredita que foram venezuelanos. “Arrombaram minha loja e levaram o que puderam carregar. Isso nunca havia acontecido. A coisa está tão ruim na Venezuela que até os bandidos de lá estão vindo para cá”.

O aspirante PM Marques, comandante do 1º Pelotão de Fronteira de Pacaraima, confirmou que vem aumentando o número de ocorrências policiais no município. E os principais são: furtos, roubos, arrombamentos e homicídios. O tráfico de drogas também aumentou. (AJ)