Cotidiano

Só 2,4% dos jovens querem ser professores

Baixa remuneração e dificuldades da profissão são as principais motivações para essa queda

A escolha de se dedicar à docência não está mais entre os planos dos jovens brasileiros. A mudança tem número bastante expressivo: apenas 2,4% dos jovens pensam em ser professores atualmente. É o que apontam os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No relatório de Políticas Eficientes para Professores, os principais motivos para essa desistência são a desvalorização do trabalho e a baixa remuneração.

Segundo o relatório, há dez anos, o percentual entre os adolescentes de 15 anos que queria ser professor era de 7,5%. Entre as meninas que desejam seguir a carreira, o número representa 3%, enquanto entre os meninos, o percentual cai para 1,7%. Outro ponto levantado pelo relatório é que quanto mais instrução escolar dos pais, menos o interesse do jovem em optar pela carreira de professor.

Mas mesmo com o percentual tão baixo, ainda é possível encontrar quem afirma que nasceu com a vocação para a docência. Ser professor foi a decisão mais fácil na vida de Diógenes Filho, primeiro por ter familiares que já atuavam na área, e também por conta do incentivo dos mestres no ensino médio e do pré-vestibular. Sem nem pensar em outra opção de curso para tentar no vestibular e indo contra a opinião de muita gente, Diógenes escolheu a licenciatura em Química pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e, no curso, encontrou a paixão pela docência.

“Muitas pessoas próximas a mim acharam que estava fazendo a escolha errada, pois havia quem acreditasse que não obteria retorno financeiro quando eu concluísse o curso e entrasse no mercado de trabalho. Acabei nadando contra a corrente, uma vez que a maioria dos jovens naquele momento não via a docência como opção de carreira profissional”, relembrou.

Após a graduação, que concluiu aos 22 anos, embarcou em outro desafio para continuar oferecendo o melhor conteúdo para os alunos e ingressou no mestrado em Química. “Conclui o mestrado com 25 [anos]. De lá pra cá tenho me dedicado ao público de pré-vestibulandos, ajudando os alunos a conseguirem a tão sonhada aprovação no vestibular. Recentemente, uma ex-aluna optou pela docência em Química, o que me deixou feliz por saber que, apesar da estatística não ser favorável, há ainda quem se encante pela arte de ensinar”, contou o professor.

Atualmente, Diógenes cursa Medicina na UFRR, mas afirma que não pensa em deixar a sala de aula, pois ensinar é a melhor forma de retribuir todo o investimento que recebeu para a sua formação. “É verdade que a educação brasileira é deficitária, mas podemos mudá-la aos poucos, contribuindo em sala de aula, bem como em outros ambientes, para sua melhoria. Foi isso que busquei. Como fui formado por escolas públicas de ensino, desde o ensino fundamental até o mestrado, penso em honrar de alguma forma, ajudando as pessoas a conseguirem alcançar suas metas de vida, através do que tenho a ensinar”, completou.

Para não desestimular os possíveis alunos que enxergam beleza na docência, o professor entende que é preciso não comentar as mazelas sobre a profissão dentro da sala de aula. “Na verdade, tento não desestimular aqueles que já vêm com a ideia de seguir a carreira. Às vezes, nós professores acabamos desestimulando quem deseja seguir na docência quando reclamamos de salário, carga horária, etc. Creio que precisa partir do aluno o desejo, ao professor cabe encorajar a decisão”, finalizou.

A equipe de reportagem da Folha visitou um cursinho preparatório no Centro da cidade para confirmar se o percentual mostrado pela pesquisa atinge mesmo a realidade e, ao questionar os alunos de uma sala de aula quem teria interesse em ser professor, ninguém respondeu. A estudante Ananda Souza, que já teve contato com a profissão, não pensa de forma alguma em voltar para a sala de aula como docente por conta da “alta responsabilidade e também da remuneração muito baixa”.

Já o Magno Bezerra procurou a licenciatura em Música na UFRR para complementar os conhecimentos dentro da área e resolveu dar aulas particulares, mas diz que encontra muita dificuldade em relação à valorização, pois muitos pais não querem pagar o devido valor que ele cobra.

Por fim, a Ana Cássia Andrade disse que até chegou a cogitar dar aulas particulares de inglês, mas que jamais pensaria na carreira como algo consolidado.

“Tenho familiares na área e sei como é, precisa de muita paciência. Tem muita desvalorização e também uma enorme dificuldade dentro da profissão”, confessou.

Carreira deveria ser mais valorizada pela sociedade, dizem especialistas

Para o sociólogo e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Francisco Gomes, existe o risco de faltarem profissionais qualificados na área em um futuro próximo, já que o jovem realmente enxerga a atividade com bem menos atração. Francisco defende ainda que a falta de reconhecimento acontece em diversos âmbitos da esfera pública, o que diminui ainda mais a vontade de seguir na carreira docente.

“A desvalorização do trabalho docente é representada, sobretudo, pelo baixo salário e condições de trabalho abaixo do esperado, e consequentemente, a falta de reconhecimento, tanto por parte do poder público, como também da sociedade civil. Nesse último ponto temos uma leve contradição, isto é, ao mesmo tempo que a sociedade reconhece a importância da educação como caminho possível e força de transformação da vida e do mundo, do outro lado, deixa a desejar quando o assunto é apoio social às demandas e reivindicações dos profissionais que atuam nesse segmento”, afirmou.

Junto com essa falta de perspectiva, existe também a glamorização de outras profissões e o status social-financeiro que elas oferecem. Para muitos jovens, essas são as principais motivações no momento de decidir qual carreira seguir. Percebe-se um aumento significativo pela procura de cursos como Medicina e Direito, que passam a oferecer mais vagas para atenderem a grande demanda.

O sociólogo aponta ainda que os jovens precisam ficar atentos às mudanças políticas que estão ocorrendo no país atualmente e como todas essas nuances podem afetar diretamente a forma que a educação pública está sendo ofertada para eles. “Nessa perspectiva, os jovens, não de maneira generalista, mas em boa medida, podem não estar atentos a esse desmonte de viés político e econômico dotado de interesses escusos, porém conseguem perceber no dia a dia, em sua atuação na condição de aluno em sala de aula, que a carreira docente não tem mais todo esse glamour laureado, se comparado a outras carreiras mais reconhecidas e valorizadas em sua prática profissional”, continuou.

No entanto, o sociólogo tenta manter uma boa perspectiva em relação ao futuro da docência no Brasil e afirma que a melhor opção é melhorar a situação dos cursos de licenciatura nas universidades, que carecem de recursos, e na mudança de olhar diante à educação pública, que se tivesse mais qualidade, aumentaria a valorização da carreira.

Assim como Francisco, outra socióloga defende que a educação no Brasil precisa de urgentes melhorias para que a nação seja mais consolidada. Para Carla Domingues, os professores são fundamentais em todas as áreas de trabalho, pois cada indivíduo passa por um processo de alfabetização antes e começa a construir os passos com professores.

“Os médicos são o que são, pois um dia alguém lhe repassou conhecimento. Os jornalistas se formam porque um dia um educador resolveu ensinar a arte da comunicação. O jovem não tem a pretensão de seguir a carreira de professor por conta dos baixos salários, é uma profissão totalmente desvalorizada. O Estado parece não ter intenção nenhuma em preparar melhor os professores, então isso tudo culmina na falta de vontade do jovem em seguir a carreira de professor. Os jovens procuram carreiras que dão mais retorno financeiro”, encerrou a socióloga. (A.P.L)