Cotidiano

Sesau não confirma novos casos de microcefalia

Até o momento, em Roraima, foram confirmados 18 casos de bebês com microcefalia, doença que afeta o desenvolvimento adequado do cérebro da criança

A microcefalia, má formação congênita que impede o adequado desenvolvimento do cérebro, ganhou grande repercussão no País há cerca de dois anos, com a explosão de casos de bebês nascidos nessa condição, em consequência de mães infectadas pelo zika vírus. Em Roraima, foram confirmados 18 casos, a maioria por zika vírus. Porém, nenhum novo caso foi confirmado em 2017.

Segundo a neuropediatra do Hospital Materno Nossa Senhora de Nazareth, Charlote Briglia, o último boletim epidemiológico, de novembro, mostra que ainda não foi confirmado nenhum novo caso de microcefalia este ano, ocorrendo apenas suspeitas. Os casos já confirmados ainda referem-se aos dois anos anteriores.

Para Charlote, ainda não há uma conclusão quanto ao motivo da redução dos casos no Estado e no País. Pessoalmente, ela acredita que esteja relacionado ao próprio zika vírus, do que as campanhas de prevenção e combate ao mosquito aedes aegypti, transmissor da doença, ou ainda pela redução do número de gestações.

“O número de partos se manteve. Então, não acredito que seja por conta disso. No Brasil, aumentou o número do mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya.

Mas, para mim, parece ser relacionado ao vírus. De alguma forma, ele aparenta ter sazonalidade, parecida com a dengue que, de tempos em tempos, aparece com um tipo diferente e aumenta o número de casos. Recomendo que toda gestante tome precauções contra qualquer mosquito porque a gente não tem como saber se vai voltar e como vai voltar”.

Até pelas características da condição, a neuropediatra diz que ainda se sabe muito pouco, estudos estão sendo feitos e não se compreende porque os pacientes são atingidos de formas diferentes, apesar de estarem em ambientes similares. “É complicado porque cada caso é diferente e atinge o desenvolvimento próprio. A maioria dos nossos evoluiu com um atraso global dos movimentos, motor, fala, linguagem, contato, cognição. Alguns tem menos lesões por questões que ainda são estudadas.

Em alguns casos, por conta das malformações, as crianças vieram à óbito. Não se sabe porque algumas famílias, as vezes morando na mesma cidade, apresentam características distintas”.

Um ponto que deve ser comum a todos os pacientes é a necessidade de uma rede de apoio mais intensa, tanto de saúde, quanto familiar. “O apoio passa por essa essencial compreensão da sociedade. A criança vai ser um pouco diferente, mas é uma criança”, frisou.

ASSISTÊNCIA – No Estado, os pacientes com suspeita de microcefalia são atendidos no setor de Follow Up da Maternidade, local em que se atendem crianças prematuras, oferecendo tratamento de fisioterapia, pediatria e fonoaudiologia. Os pais também são atendidos, com o repasse de ações que podem ser desenvolvidas junto às crianças em casa e com assistentes sociais.

Segundo Charlote, em Boa Vista, o acompanhamento específico dos casos de microcefalia começou no início de 2016, quando foi percebido um aumento do número de pacientes com a condição. Na mesma época o Ministério da Saúde divulgou alerta por conta do aumento no número de casos no Nordeste.

“Nos últimos dez anos, ao nascimento, notificávamos um ou dois casos por ano”, disse Charlote. O registro acontecia por diversos fatores, já que a microcefalia não é necessariamente ligada ao zika. “Existem casos ligados a toxoplasmose congênita e sífilis, entre outros fatores. Casos ligados a má-formação, que não tem relação nenhuma com a zika também existem”, completou.

Porém, em 2016, até agosto, foram registrados 10 casos da doença. “A gente percebeu que, assim como aconteceu no resto do País, em Roraima também tivemos o aumento. Desde então, reforçamos o trabalho de prevenção e acompanhamento nessa fase inicial que é muito importante”, informou.

PRÓXIMOS PASSOS – O setor do Follow Up da Maternidade atende crianças somente até os dois anos. Por conta disso, a unidade tem procurado manter atividades para as crianças com microcefalia, considerando que a maioria dos pacientes está próxima de completar o período máximo de idade nesse setor de atendimento.

“Vamos buscar parcerias porque precisamos continuar o trabalho com esses bebês que tem demanda específica. Ressalte-se que toda a criança nascida com necessidades especiais tem seus direitos e precisam do acompanhamento. A diferença é que no caso da microcefalia vinculada ao zika, elas têm dificuldade motora, visual e auditiva. São crianças com múltiplas deficiências e são mais graves. A gente precisa de parcerias com os diferentes setores porque quando a criança cresce, ela não consegue se adequar e não podemos deixar isso acontecer”, frisou.

Maior dificuldade é terapia especializada em microcefalia

Poliana Coelho e Jorge Ferreira, são pais de Vitor Murilo, de 1 ano e 8 meses, uma das crianças diagnosticadas com microcefalia. Segundo Poliana, a possibilidade de o filho nascer com microcefalia surgiu aos três meses de gestação, quando descobriu que estava com zika.

“Depois que começaram a surgir notícias dos primeiros bebês com microcefalia começamos a nos preocupar. A ultrassonografia morfológica apontou que o índice encefálico do bebê estava abaixo do esperado para o período gestacional. Desde então, fizemos o acompanhamento pré-natal de alto risco. Disseram-me que só iam ter certeza quando ele nascesse. Desde o quarto mês até o final da gestação foi muito tenso”, lembrou a mãe.

Murilo nasceu com o perímetro encefálico de 33,5 cm, considerado normal e foi descartado para microcefalia. No entanto, do terceiro para o quarto mês, os pais começaram a perceber um atraso no desenvolvimento da criança.

“Ele não rolava, não brincava com as mãozinhas. A gente já estava de antena ligada por causa da suspeita e como o doutor media todo mês a cabeça dele, a gente percebeu também que o crescimento não estava acompanhando o gráfico. Fomos encaminhados a neuropediatra e ela passou exames, que comprovaram a microcefalia, quando ele tinha quatro meses. Desde então, começamos a estimulação precoce, a terapia ocupacional, fisioterapia e tudo o que pudéssemos fazer para dar uma qualidade de vida melhor para ele”, disse Poliana.

Murilo se tornou um bebê esperto, sorridente, que gosta de assistir desenhos, com uma vivência mais calma e tranquila desde que passou a tomar os medicamentos para microcefalia. “Claro que ainda tem o atraso, ele ainda não senta e não anda, não tem controle do pescoço, tem a dificuldade na alimentação e ainda não fala, mas nós temos muito apoio da nossa família. Todo mundo se dispõe a ajudar”, completou a mãe.

DIFICULDADES – Para Poliana, a dificuldade maior enfrentada pelas famílias atingidas pela microcefalia é a estimulação adequada, ainda difícil de ser encontrada nas unidades de saúde.

“O Estado não tem um local adequado, agora que estão surgindo novas terapias. Levamos o bebê para Manaus e Salvador, com a ajuda de amigos, fazendo feijoada e ele recebeu um tratamento diferenciado nesses locais, mais intenso e isso ajudou muito. Sempre que posso, o levo para fora do Estado, para ajudá-lo com o que podemos”, disse a mãe.

Jorge Ferreira, pai de Murilo, acredita que falta investimento do Estado para a estimulação adequada das crianças com microcefalia. “É diferente de alguém que se acidentou. Não é uma reabilitação. Ele precisa de estímulos e isso está faltando. Muitas crianças poderiam ter um desenvolvimento melhor e não tem por causa disso”.

“Falta mais atenção das autoridades. O diagnóstico do Murilo aconteceu porque a gente foi atrás, com recursos próprios fomos investigar. A terapia, até o exame para confirmar, foi tudo difícil. Não é culpa nossa, não é culpa dele. O poder público tem que fazer a sua parte”, completou. (P.C)