Cotidiano

Serviços e atendimento são os setores que mais empregam venezuelanos

Segundo o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), diferentemente dos haitianos, os venezuelanos ainda se concentram em Roraima e resistem à interiorização, pois têm a expectativa de voltar ao seu país

De acordo com estudo do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), o perfil do migrante venezuelano inserido no mercado de trabalho no país é formado por pessoas que trabalham no setor de serviços e de atendimento ao público. A pesquisa foi apresentada durante o 3º Seminário da Rede de Observatórios do Trabalho, realizado na sede do Ministério do Trabalho, em Brasília.

Segundo o levantamento, a situação dos venezuelanos no Brasil aponta para um perfil diferenciado, pois a maioria deles ainda está concentrada na porta de entrada do país, através da fronteira com Pacaraima, e com uma aglomeração maior na Capital, em Boa Vista. “A diferença principal é que os haitianos vieram depois de um terremoto no país de origem, enquanto os venezuelanos chegaram devido a questões políticas e econômicas. Muitos deles ainda resistem à interiorização e ficam em Boa Vista porque têm a expectativa de que a situação vai melhorar no país de origem e poderão voltar”, diz trecho da pesquisa.

O OBMigra acredita que a parcela dos venezuelanos que está interiorizando, indo para São Paulo e Cuiabá, também está trabalhando em serviços deste setor, como em bares e restaurantes. “Mas eles não se misturaram, nem substituíram os imigrantes haitianos. É outro perfil, outra realidade migratória”, enfatizou o diretor do Observatório, Leonardo Cavalcanti.

DEMAIS NACIONALIDADES – A pesquisa mostra que o perfil dos imigrantes que estão inseridos no mercado de trabalho brasileiro está mudando e que os haitianos compõem o maior coletivo de imigrantes no mercado de trabalho nacional.

Conforme Cavalcanti, houve uma nova composição de imigrantes no mercado brasileiro a partir de 2010, com a vinda de pessoas principalmente do chamado Sul Global, mas não de países de fronteira, como os bolivianos ou paraguaios, nem do Norte Global, como espanhóis, italianos e portugueses.

O relatório aponta que os haitianos eram “algumas dezenas em 2010”, mas o número aumentou a partir daquele ano, e em 2013 já formavam o grupo mais numeroso, situação que se mantém até hoje, com cerca de 30 mil a 40 mil haitianos no mercado de trabalho formal brasileiro. Além deles, o estudo mostrou a presença de senegaleses e bengalis, assim como dos tradicionais portugueses, bolivianos e paraguaios. Somando ao todo, segundo o OBMigra, o Brasil tem hoje em torno de 130 mil imigrantes no mercado de trabalho formal.

O levantamento mostra ainda que os estrangeiros atuam, sobretudo, no final da cadeia produtiva do agronegócio, principalmente no Brasil meridional, abrangendo São Paulo e os três estados do Sul do País – Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. “Estão atuando em abate de frangos e de suínos, ou no corte de frango halal (produzido conforme os princípios do islã) para exportação. Foi essa indústria que absorveu esse novo fluxo dos imigrantes”, disse Cavalcanti.

IMPORTÂNCIA DO ESTUDO – O mais importante, de acordo com o diretor do OBMigra, é que ambos os perfis têm um monitoramento estatístico, com dados sobre inserção no mercado de trabalho, admissão, demissão e estoque dos imigrantes, enquanto estão entrando e saindo do país.

Cavalcanti ressaltou que esse levantamento é publicado pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), ligado ao Ministério do Trabalho e que os dados permitem que o CNIg defina resoluções normativas para os imigrantes, aplicando políticas específicas e normatizando questões relevantes para o Brasil.

O diretor explicou que esses estudos são essenciais porque permitem definir o perfil do trabalhador, revelando itens como sexo, país de origem, incorporação no mercado de trabalho, salário e possíveis inconsistências, o que ajuda na elaboração de políticas públicas voltadas para esses trabalhadores.

“Existem alguns profissionais com formação de engenheiro, de arquiteto, de médico, trabalhando em construção, em abate de aves e em outras situações de inconsistência de status”, salientou. “Então, é fundamental ter esse conhecimento profundo do campo e da realidade para construir políticas públicas que permitam a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho e na sociedade brasileira”, concluiu.

Cientista social alerta para perigos da exploração de estrangeiros

Segundo o economista e cientista social, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Elói Senhoras, a inserção dos imigrantes venezuelanos legais no mercado de trabalho em Roraima é complexa, pois apresenta algumas especificidades.

A inserção concentrada no setor terciário, conforme o especialista, acontece naturalmente por conta de o setor ser o maior demandante líquido de mão de obra em qualquer economia. “No caso de Roraima, não seria diferente, em especial em Boa Vista, que é uma economia em que o setor terciário representa 3/4 de toda produção de renda, o setor público metade e o setor de serviços 1/4”, afirmou.

Na sua visão, o setor terciário é o foco concentrador da mão de obra, pois quando qualificada e com alta escolaridade, obtém espaço em supermercados, restaurantes e outros serviços de atendimento ao público.

Em contraponto, a mão de obra pouco qualificada ou com baixa escolarização se concentra no trabalho braçal, como domésticas em casas de famílias, no caso das mulheres ou como ajudantes na construção civil, no caso dos homens.

O especialista alerta que a inserção dos imigrantes venezuelanos ilegais no mercado de trabalho em Roraima acontece, por sua vez, de modo marginal e em condições preocupantes. Isso acontece tanto em atividades legais, como pedintes e flanelinhas em semáforos ou contratadas por dia em que há pagamento de subsalários, quanto em atividades ilegais ligadas a redes de prostituição ou grupos e facções ligados a atividades criminais.

Senhoras aponta que existe ainda um claro problema de capacidade de absorção do mercado de trabalho em Roraima, o qual, estruturalmente, apresenta altas barreiras de entrada para uma majoritária parcela de imigrantes na condição ilegal, que possui em sua maioria baixa qualificação em contraposição às baixas barreiras de entrada de imigrantes legais que são altamente qualificados e com alta escolaridade.

“O poder público possui limitado espaço discricionário para facilitar a inserção venezuelana no mercado de trabalho, seja porque não existem postos de trabalho, inclusive para toda a população economicamente ativa roraimense, seja porque no Brasil o mercado de trabalho é altamente regulamentado, dificultando assim flexibilizações por parte dos entes subnacionais”, informa o economista. (P.C.)