Política

Representante do CIR afirma que consulta pode durar vários anos

Lideranças indígenas acreditam que o zoneamento das áreas tem a ver com a liberação de mineração em terras indígenas

O CIR (Conselho Indígena de Roraima) não acredita que o processo de consulta das comunidades indígenas para o ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico) possa ser concluído ainda este ano. Segundo o coordenador do CIR, o Macuxi Enock Barroso Tenente, os indígenas são contrários à forma como o governo vem fazendo a consulta com os indígenas.

“A gente considera o zoneamento como algo a ser analisado, mas somos contra a forma como o governo está fazendo essa consulta. Iremos participar das audiências na cidade, mas temos receio de que nossa participação venha referendar que já fomos consultados e por isso não participamos da primeira consulta. Esse é o nosso receio”, explicou o líder da Organização que hoje representa 275 comunidades indígenas de Roraima.

O líder indígena explicou que o procedimento de consulta feito da forma como os indígenas entendem como certo vai durar de um a dois anos dependendo realmente do interesse do governo na situação. “Se a governadora colocar recurso disponível para que as equipe do Estado cheguem até nas comunidades de forma ágil, a consulta pode demorar um ano, agora se não for do interesse total do governo, essa consulta talvez nunca seja feita e, portanto esse zoneamento nem saia do papel”.

Os indígenas acreditam que o zoneamento de suas áreas tem a ver com a liberação de mineração em terras indígenas.

“Mexe com a parte econômica e ambiental do Estado e o CIR vai participar das reuniões que estão sendo feitas apenas para mostrar o nosso posicionamento, mas estamos com bastante cautela, pois queremos saber onde estamos pisando e não servir de fantoche para receberem recursos públicos em nome dos indígenas sendo que nem sabemos direito do que está se tratando”.

Enock Barroso acha que a consulta feita diretamente in loco não é bom apenas para o governo, mas também para os colonos e para os ribeirinhos.

“Todas as minorias que vão realmente poder se posicionar sobre o zoneamento e mostrar de que forma ele pode ser bom para quem precisa, o que ele vai melhorar em política pública de fato, pois muitas vezes as pessoas só pegam nosso nome somente para fazer enxame e depois somem com dinheiro e é isso que a gente não quer. A gente quer participação plena na construção de mais essa política pública, de mais esse avanço para o Estado de Roraima. Da forma como está sendo feita não vamos aceitar”.

Segundo o líder o que tem de errado é que nesse processo de consulta atual as comunidades indígenas não sabem nem o que é o zoneamento ecológico econômico e para que serve.

“A gente não sabe o que é. Apenas entendemos que estão vindo empreendimentos como a mineração para dentro das terras indígenas de Roraima e mexem com nossa vida. E não sabe nem como liberação da mineração aconteceu. Essa mineração vem beneficiar os indígenas ou apenas parte dos empresários? ou vão colocar de novo todo nosso minério para fora do país? é isso que a gente está questionando e não concorda”.

Ele disse que para as comunidades indígenas, a consulta deve ser feita de forma correta e, portanto, vai demorar muito, pois as equipes de trabalho devem ir e visitar todas as comunidades dentro do tempo e do prazo dos indígenas. “Cada região indígena tem uma ou duas assembleias regionais por ano e a consulta pode ser feita nelas ou na própria reunião comunitária nas quais devem ser apresentadas propostas e vamos ver se apoiamos ou não”

Para Enock Barroso, tudo deve ser esclarecido de forma simples para os indígenas diretamente, pois por mais que o Conselho Indígena represente os indígenas, não pode tomar as decisões sem consultar a comunidade. “Não temos autoridades de tomar decisões em nome das comunidades sem aval. Por enquanto, elas não sabem nem o que é esse Zoneamento que estão querendo fazer de forma tão apressada. Não queremos nos posicionar a favor ou não a respeito do Zoneamento, sem primeiro ouvir todas as comunidades e ter respeitado o direito a consulta da forma como está na Constituição”.

Para Enock Barroso, o zoneamento ecológico só se torna favorável aos indígenas a partir do momento em que for construído conjuntamente com as comunidades. “No momento em que eles conseguirem ouvir a gente, ouvir as comunidades indígenas, tirar esse zoneamento do papel aí sim ele se torna favorável. Agora, essa consulta feita de dentro do gabinete jamais iremos aceitar”, deixou claro.

ENCONTRO – Em 15 de setembro, apenas metade das entidades representativas indígenas que foram convidadas, participou da reunião que discutiu o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE).

O evento, que era para ser a primeira Consulta Pública sobre o tema, serviu apenas como reunião base para determinar de que forma as consultas devem ocorrer nas comunidades indígenas. A reunião foi determinada pela Justiça Federal, apesar de já constar no cronograma de discussões sobre o ZEE, elaborado pela Secretaria Estadual de Planejamento (Seplan).

Além de representantes dos povos da cidade, da floresta, do lavrado e das serras, também participaram das discussões representantes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério Público do Estado (MPRR), do Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima). A coordenação do evento contou ainda com a parceria da Secretaria Estadual do Índio (SEI).

Segundo o secretário estadual do Índio, Dílson Ingarikó, a participação dos povos indígenas na elaboração do ZEE é essencial, pois mais de 40% do território roraimense é formado por terras indígenas. “Nós precisamos aprimorar o sistema econômico dos povos, a gestão das terras demarcadas e homologadas, bem como o processo de desenvolvimento sustentável e organização social, que envolve melhoria de qualidade de vida”, disse.

ETNOZONEAMENTO – De responsabilidade do Governo Federal, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), o Etnozoneamento é o projeto de zoneamento específico das terras indígenas.

O ZEE – O Zoneamento Ecológico Econômico foi criado pela Lei 6.938. A Política Nacional do Meio Ambiente tem um decreto que regulamenta como devem ser feitos os procedimentos do zoneamento e tem também o novo Código Florestal que estabelece uma data para que os estados possam concluí-los. Há ainda, em nível federal, o Consórcio Nacional do Zoneamento e a Comissão Nacional do Zoneamento.

Está prevista para o mês de novembro, uma audiência geral para apresentação e aprovação do resultado final do ZEE.

CONSULTA PÚBLICA – A decisão da Justiça Federal estabelece a necessidade de realizar uma consulta qualificada aos povos indígenas e, para que atenda a liminar, a consulta deve ser realizada previamente à adoção de qualquer medida definitiva. Observando os procedimentos tradicionais e o tempo de tomada de decisão dos povos indígenas, com suporte de profissional da antropologia, dentre outros requisitos.

Segundo o MPF, a consulta pública determinada na medida liminar judicial não se resume a uma reunião. “A liminar estabelece que as reuniões com associações indígenas sejam o primeiro passo para a formulação do protocolo de consulta a ser posteriormente realizada”.