Cotidiano

Perfil de mulheres envolvidas no crime organizado mudou

Cada vez mais, jovens mulheres têm envolvimento em homicídios violentos, tanto como executoras, quanto como vítimas

Em abril, a Polícia Militar de Roraima prendeu uma jovem de 22 anos ligada à execução de outras duas mulheres no Anel Viário. O caso ganhou grande repercussão no Estado pela forma brutal como o crime ocorreu e pelo envolvimento de mulheres no crime, tanto como executoras quanto com vítimas. Para especialista, o envolvimento também está relacionado ao crescimento do crime organizado.

De acordo com os dados divulgados pela Polícia Civil, no ano passado, foram 12 mortes em que as vítimas eram mulheres, e elas também sofreram 19 tentativas de homicídio. Em 2018, até início de abril, a contagem já chegou a seis homicídios e outras seis tentativas de homicídio. Ou seja, em menos de quatro meses, já se chegou à metade do número de mortes com vítimas mulheres contabilizadas durante todo o ano de 2017.

Com relação a mulheres infratoras, no ano passado, foram dois homicídios cometidos por elas e 11 tentativas de homicídios de autoras mulheres. Até início de abril de 2018, houve um registro de homicídio e mais um registro de tentativa de homicídio cuja autora era uma mulher. Avaliando os dados mais uma vez, chega-se novamente à metade dos crimes cometidos por mulheres em 2017 em menos de quatro meses de 2018. A Polícia Civil ressalta que os dados podem sofrer alterações considerando que algumas investigações iniciadas no ano passado ainda não foram concluídas.

Mulheres também comandam o crime organizado

Para o professor e pesquisador da Universidade Estadual de Roraima (Uerr) e especialista em Segurança Pública, Carlos Borges, antigamente se tinha um quadro em que as mulheres que eram presas por conta do envolvimento dos companheiros ou familiares e elas acabavam cometendo crimes, indo para a prisão para ajudar os aprisionados.

No entanto, o sistema de informações estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) apontou que houve um crescimento de 67% de mulheres no sistema prisional no período de 2000 até 2015.

Conforme Borges, a entrada das mulheres no crime por conta dos seus parceiros continua sendo uma das razões. Porém, no segundo momento, se tem a expansão de mulheres comandando o crime. “Isso é oriundo, via de regra, das facções”, afirma o especialista.

O professor acredita que, quando o companheiro é recolhido ao sistema prisional, é ela que assume não só a contabilidade da relação econômica com a facção, mas muitas vezes assume o próprio comando da facção.

O especialista diz ainda que este não é mais um fenômeno só das grandes capitais e que já pode ser percebido em Roraima, onde as brigas pelo controle de mercado da droga acabam resultando no elevado número de mortes. “Quando uma facção assume controle, põe sua equipe, a sua célula. Essas pequenas células já devem submissão ao crime organizado e são responsáveis por atrair mulheres jovens”, explicou.

Mulheres jovens e com problemas
familiares são alvo de facções

O pesquisador em Segurança Pública acredita que o alvo preferido das facções são as mulheres jovens, em uma faixa etária não muito alta, com passagem pelo sistema de recuperação juvenil e por graves problemas familiares, como estupro e abandono.

Borges explicou que elas são cooptadas por já terem passado por um processo de desilusão e terem uma falta de sensibilidade com relação à vida e, por conta desse aspecto, podem se tornar mais violentas. “Ela tem um imaginário que foi moldado seja no ambiente familiar, tóxico, agressivo, seja nos centros de correção que não corrigem e só pioram o estado da pessoa. Ao sair de lá, ela é cooptada porque já é hábil, já tem experiência com a violência”, disse o professor.

O nível de crueldade demonstrado nos crimes praticados por mulheres, para o professor, não deixa nenhuma inveja por atos executados por membros masculinos das facções, a exemplo do caso de execução das duas jovens no Anel Viário. “As mulheres têm uma qualidade de fazerem várias coisas ao mesmo tempo, então ela se torna pior. Como gestora do crime, tem que mostrar tanto poder quanto os homens, talvez mostrando violência maior”, analisou.

No caso da participação de mulheres consideradas bonitas, como a “Musa do Crime”, o professor analisou como uma coincidência e que normalmente a beleza é utilizada em outros crimes, como de corrupção e raramente é ligado em casos de violência brutal.

Fortalecimento das polícias
é uma das soluções

O professor afirma que para solucionar a questão é preciso de um conjunto de ações, de reestruturação escolar, recuperação do aspecto político e econômico do país, além da necessidade de retomada de valores familiares e morais. No entanto, uma das medidas que precisa ser tomada imediatamente é o fortalecimento das forças policiais.
Borges acredita que esse reforço é de suma importância em Roraima, justamente por conta da região. “Estamos na fronteira com dois países e em um corredor que liga Manaus a Boa Vista, onde não há controle e onde se transita facilmente. Vem por essas fronteiras drogas e armas, que estão sob o controle das facções. As facções têm os seus soldados, têm um sistema de recrutamento e esses jovens são os sujeitos preferenciais”, afirma.

Para que haja combate nas fronteiras e redução da força do crime organizado, uma forma seria a repressão planejada. “Precisa de capacitação, valorização salarial, inteligência e tecnologia. A repressão bruta em si não tem efeito nenhum. Só assim vai se coibir a entrada desses materiais pela fronteira e evitar que Roraima não seja um trânsito de drogas e armas”, frisou. (P.C.)