Cotidiano

Para ICMBio, criação de reserva vai coibir pesca ilegal e grilagem

O Instituto afirma que cerca de 200 famílias ribeirinhas vão ser beneficiadas com a criação da Reserva Extrativista

Ao divulgar a criação da Reserva Extrativista (Resex) Baixo Rio Branco Jauaperi, oficializada esta semana pelo Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Chico Mendes (ICMBio) afirmou que essa é uma vitória para mais 200 famílias ribeirinhas de Roraima e do Amazonas.

De acordo com o Instituto, a batalha para criação da reserva durou 17 anos e os ribeirinhos da região estavam ameaçados com a pesca ilegal de peixes e quelônios (tartarugas), sofriam com tentativas de grilagem e de expulsão dos moradores. Portanto, no entendimento do Instituto, a nova Resex vai possibilitar “o fim de um ciclo de conflitos e da exploração ilegal dos recursos da região”.

“A região é rica em produtos da floresta e tem muito peixe nos rios e lagos, gerando disputas entre as comunidades e os empresários de Manaus. Agora com a criação da Resex os comunitários vão ter mais força para defender os seus recursos, o seu lugar e o seu jeito de viver”, afirma Ciro Campos, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA).

“O Baixo rio Branco é uma importante área de vida de tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) e por conta disso há muitos conflitos envolvendo sua caça e comércio ilegal. Também há uma pressão forte da pesca comercial predatória sobre o rio Jauaperi que acabou gerando uma série de problemas para as comunidades que aí vivem”, explica Carlos Durigan, Diretor da WCS Brasil ao Portal do ICMBio.

A Reserva Extrativista é uma categoria de Unidade de Conservação (UC) específica para o território de populações extrativistas tradicionais. A finalidade é a conservação dos meios de vida e da cultura dessas populações, que mantém a biodiversidade local e a floresta e cujo modo de vida está fundamentado na pesca e roças de baixo impacto e na coleta de castanha, copaíba e fibras.

O decreto publicado nesta quarta-feira estabelece uma área de 581.173 hectares, destacando-se três áreas especiais em trechos do território tradicional dos índios Waimiri Atroari:

*a zona de preservação, que compreende a faixa de 2 km de largura ao longo dos limites da Resex com a Terra Indígena Waimiri Atroari e onde não são permitidas a ocupação e a utilização direta ou indireta dos recursos naturais;

*a zona de uso restrito, cuja utilização dos recursos só é permitida após acordo com a comunidade Waimiri (área do Mahoa, 40.565 hectares);

*e a zona de conservação, na região do Igarapé Xipariña, com 56.747 hectares, na qual não são permitidas a ocupação e a realização de qualquer atividade de uso direto dos recursos naturais ali abrangidos, exceto quanto às atividades de recreação e turismo, desde que sejam definidas no plano de manejo.

O decreto menciona ainda a possibilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) continuar os estudos para a revisão dos limites da Terra Indígena Waimiri-Atroari e os levantamentos da área de ocupação dos grupos indígenas isolados nos limites da Resex .

Além disso, fica garantida a vaga para um representante da Funai e para um representante da comunidade Waimiri-Atroari no Comitê Gestor da Reserva. Em 2014, a Funai constituiu um grupo de trabalho para revisão dos limites da Terra, uma vez que ela foi oficialmente reconhecida em área menor que o território original dos Waimiri Atroari.

LONGA ESPERA

Segundo o Instituto, em 2001 houve uma solicitação das próprias famílias que vivem na área pela criação da UC. Mas o longo de 17 anos, o processo contou com uma sequência de disputas judiciais e, segundo alega o ICMBio, com a oposição do próprio governo de Roraima. De acordo com o geógrafo Carlos Durigan, políticos locais, sobretudo do estado de Roraima, atuaram fortemente para barrar a criação da UC, desconsiderando a vontade das comunidades.

“Chegamos a vivenciar problemas sérios de pressão política e inúmeras tentativas de intimidação e resistência que incluíram ações como a criação de uma APA Estadual incidindo sobre a área e mesmo disseminação de informações falsas de que após a criação da Resex famílias seriam retiradas da área ou mesmo outras limitações que a criação acarretaria”, afirma o geógrafo.

Ainda de acordo com o Instituto, a demora para uma definição por parte do governo federal impactou diretamente a vida das comunidades que habitam a Resex. “Nesses 17 anos, as disputas por recursos e por território se intensificaram. Grandes barcos pesqueiros de Manaus invadiram o rio, praticando a pesca ilegal e reduzindo o estoque de peixes da região”, destacou o ICMBio em publicação em seu portal.

O site conta ainda um dos casos que retrata essa disputa como foi o caso da casa do presidente da Associação dos Agroextrativistas do Baixo Rio Branco-Jauaperi (Ecoex), Francisco Felix, que foi incendiada na comunidade Floresta, em 2008.

“Tudo indica que o ataque foi feito por opositores da reserva extrativista. Até hoje os responsáveis pelo atentado não são conhecidos. O assassinato de um comunitário em atividade voluntária de fiscalização pelo Ibama também pode estar relacionado à luta pela demarcação”, destacou o Instituto.

HISTÓRICO

Em 2001, moradores das comunidades de Santa Maria Velha, Vila da Cota, Remanso, Itaquera, Floresta, Samaúma e Xixuaú, em Rorainópolis(RR), solicitaram ao Ibama a criação da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi. Algum tempo depois, aderiram à proposta outras comunidades localizadas na margem esquerda do Rio Jauaperi, um dos afluentes do Rio Negro, no município de Novo Airão (AM).

Em 2006, os procedimentos legais foram encaminhados ao Ministério do Meio Ambiente e então à Casa Civil. Com a demora na tramitação, o apoio para a criação da Resex foi tomando corpo: manifestos, ofícios e abaixo assinados da sociedade civil e de associações comunitárias extrativistas, Ministério Público.

Entre 2007 e 2009, foram realizadas mobilizações em Brasília e Manaus, por meio do apoio da Rede Rio Negro, rede de ONGs formada pelo ISA, Fundação Vitória Amazônica, WCS, Foirn, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Secoya e WWF-Brasil, que iniciou apoio mais estruturado às comunidades.

Em 2006 o governo do Estado de Roraima ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) ação contra o Ibama em virtude da criação da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, alegando que a proposta da criação da reserva violava o pacto federativo, de autonomia conferida pela Constituição aos Estados-membros da Federação e que a União pretendia criar uma Reserva Extrativista em área já destinada à ‘reserva de igual conteúdo’ pelo governo do estado.

Em 2006 o governo do estado havia criado, na região, a Área Proteção Ambiental (APAs) Baixo Rio Branco. No entanto, de acordo com o Instituto Chico Mendes, as APAs são das categorias que mais flexibilizam o uso da terra, sendo permitida a existência de terras privadas em seu interior e com regulamento que possibilita o corte raso de vegetação nativa e até mineração. Ou seja: as normas desse tipo de UCs são muito menos rigorosas do ponto de vista ambiental do que aquelas que regulam Flonas, Parques Nacionais e Rebios. O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso de agravo e declarou extinto o processo cautelar.

“A posição do Estado de Roraima só mudou depois de 2014, com as negociações para a transferência das terras da União para o Estado. A partir daí, o governo passou a apoiar a criação da Resex”, destaca o ICMBio.

O Decreto Nº 9.401 de 05/06/2018, que cria a Resex, atesta que a zona de amortecimento da Reserva será definida por meio de ato específico do presidente do ICMBio, sendo permitidas as atividades de pesquisa e produção mineral autorizadas até então pela Agência Nacional de Mineração e licenciadas pelo órgão competente.

São permitidas obras nas áreas destinadas à rodovia BR-431, mediante procedimento de licenciamento ambiental. Fica permitida também a operação e a manutenção da Usina Termoelétrica Vila Tanauá e de seu sistema de distribuição associado na Resex. A operação, a manutenção e a implementação de novas linhas de transmissão e de suas instalações associadas serão permitidas na zona de amortecimento da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 46 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.

A área da Reserva Extrativista incide cerca de 66% com a APA estadual Baixo Rio Branco.

Com informações do ICMBio

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