Cotidiano

Ministério da Justiça classifica sistema prisional de RR como caótico e assustador

Relatório produzido por peritos do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura concluiu que há um descontrole por parte do Estado nos presídios

Um relatório produzido por peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, do Ministério da Justiça (MJ), classificou o sistema prisional de Roraima de caótico e assustador. O documento apontou que o Estado não possui qualquer controle das unidades prisionais e que não tem conhecimento sobre os presos.

Para realizar o relatório, os peritos visitaram, nos meses de fevereiro e março, a Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), a Cadeia Pública Feminina, o Centro Socioeducativo Homero de Souza Cruz Filho e a Casa do Pai.

Na Penitenciária Agrícola e Cadeia Pública Feminina, os especialistas constataram péssimas condições de infraestrutura, falta de acesso à justiça, à saúde, à educação, a trabalho e de informações sobre as pessoas privadas de liberdades. Já no CSE, onde 69 adolescentes cumprem medidas socioeducativas, os peritos descobriram que os internos se encontravam em espécies de internação distintas e concluíram que o plano de formação que deveria ser aplicado na unidade não condiz com a prática.

Nas quatro unidades privativas de liberdade foram constatadas revistas vexatórias por parte da Polícia Militar (PM), inclusive com bombas de efeito moral; inexistência de canal de denúncias e defasagem de quadro de pessoal.

Entre as recomendações feitas pelos peritos aos órgãos estaduais está a de aproximar a sociedade civil dos cárceres, retirar a PM da Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, apurar as mortes e os desaparecimentos dos presos da PAMC, fazer um plano para reduzir a superlotação do sistema prisional, manutenção infraestrutural das unidades prisionais e a interdição parcial, fechando a porta de entrada da Penitenciária.

Deputada diz que relatório irá subsidiar trabalhos da CPI

Em entrevista à Folha, a deputada Lenir Rodrigues (PPS), que é presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Prisional, informou que o relatório servirá para dar continuidade ao trabalho dos parlamentares. “O relatório irá nos subsidiar e referendar ainda mais o que já sabíamos com as nossas visitas técnicas. A CPI visitou todas as unidades de privação de liberdade de adultos, e esse relatório irá dar maior força ao que já tínhamos constatado”, disse.

Para ela, o documento produzido por membros do Ministério da Justiça serve de alerta para futuras melhorias no sistema. “O relatório é um alerta para toda a sociedade, inclusive para a Assembleia. Nós vamos ter que institucionalizar um comitê de prevenção e combate à tortura e o mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura”, informou.

Conforme a deputada, a CPI também deve apresentar um relatório sobre a situação no sistema prisional. “A CPI cresceu tanto que conseguimos chamar atenção dos poderes constituídos e isso contribuiu para que nós pudéssemos enriquecer as informações e dar veracidade num trabalho feito com muita responsabilidade e ética, sem politicagem. Ainda não tem data fixa para apresentarmos, porque a análise de algumas questões são complexas, como desvios de recursos públicos”, frisou.

Torturas são relatadas diariamente por presos, diz coordenadora da Pastoral Carcerária

A coordenadora da Pastoral Carcerária, Maria da Conceição, contou que o conteúdo apresentado no documento produzido pelo Ministério da Justiça não apresenta fatos novos. “Na verdade, isso não é novidade. Isso vem se arrastando há muitos anos. O clima nos presídios não é bom”, disse.

Segundo a coordenadora, as torturas cometidas por agentes penitenciários e policiais são relatadas diariamente por presos. “Eu acompanho essa situação há muito tempo. Essas torturas são relatadas pelos próprios presos que vivenciam isso no dia a dia lá dentro. Nas visitas, nós vemos os presos machucados, com feridas de balas de borracha, com várias feridas pelo corpo”, relatou.

Maria da Conceição disse que a Pastoral faz sua parte no sentido de evangelizar os presos. “Nós estamos tentando fazer a nossa parte na questão da evangelização, do cuidado de trazer para a Defensoria Pública o que vemos de anormal. Mas não cabe a nós resolver isso, porque depende da vontade do Governo”, afirmou.

Governo nega tortura e diz que trabalha para melhorar serviços nas unidades

Em nota, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc) informou que vem trabalhando para melhorar a prestação de serviços nas unidades prisionais estaduais. “Sobre o uso de balas de borracha, existe por parte da administração do sistema prisional um rigoroso controle número dos projéteis utilizados”, esclareceu.

Sobre as abordagens na Cadeia Feminina foi determinada a ação somente de agentes mulheres na Unidade. Com auxílio de detectores de metais, as reeducandas não são mais submetidas às revistas vexatórias. “A Sejuc reforça que vem trabalhando diuturnamente para efetivar a prestação e o acesso integral dos reeducandos à educação, saúde e audiências judiciais”, pontuou.

Já a Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes) esclareceu que o Centro Socioeducativo (CSE) desenvolve suas ações pautadas nas diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e que as informações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura foram coletadas em relatos de adolescentes internos, que, na ocasião da visita à instituição, realizaram acusações infundadas à gestão da unidade em razão da insatisfação com o regime disciplinar em que se encontram. “De qualquer modo, ao tomar ciência do relatório resultante da visita do MNPCT, a Setrabes instaurou procedimento apuratório, visando verificar a veracidade das informações e tomará todas as providências cabíveis”, informou.

Afirmou ainda que não há prática de isolamento dos adolescentes, mas sim uma medida cautelar em que os mesmos poderão ser separados dos demais nos dormitórios sem prejuízo às atividades obrigatórias ao apresentar comportamento indisciplinar grave que incorra em riscos à sua própria integridade física, de outros internos, agentes e demais funcionários da unidade.

Quanto à informação sobre a falta de canal de denúncias, o Governo do Estado informou que a Ouvidoria Geral é o órgão oficial que tem como objetivo ouvir, acompanhar e responder a todas as manifestações do cidadão, encaminhando-as aos órgãos competentes dentro do sistema estadual.