Política

MPF recomenda que licenciamento ambiental não seja fracionado

Para o Ministério Público Federal no Amazonas, o fracionamento do projeto configura burla ao processo de licenciamento ambiental

O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas recomendou à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que se abstenham de promover qualquer espécie de fracionamento no processo de licenciamento ambiental referente à linha de transmissão de energia elétrica entre Manaus e Boa Vista, o linhão de Tucuruí, sem o consentimento do povo indígena Waimiri Atroari.

No documento, o MPF ressalta que o fracionamento, anunciado pelo Governo Federal com o propósito de desconsiderar o trecho que incide sobre a Terra Indígena Waimiri Atroari e prosseguir o licenciamento quanto às partes remanescentes, e a ausência de consulta prévia ao povo Waimiri Atroari podem configurar ato de improbidade administrativa, sendo passíveis de ação judicial.

A Funai e o Ibama também devem se abster de emitir qualquer aval, autorização ou ato administrativo de caráter concessivo, referente à continuidade do licenciamento ambiental do projeto de implantação da linha de transmissão, sem o consentimento do povo indígena Waimiri Atroari.

A recomendação requer ainda que a Funai e o Ibama não promovam declarações públicas no sentido de autorizar ou facilitar o processo de licenciamento da linha de transmissão, bem como não emitam qualquer juízo de valor quanto ao posicionamento do povo Waimiri Atroari em relação ao empreendimento.

De acordo com o MPF, o fracionamento do projeto também configura burla ao processo de licenciamento ambiental, uma vez que inviabiliza a análise integral dos efeitos cumulativos e sinérgicos do empreendimento, em flagrante ofensa às Resoluções nº 1/86 e nº 237/97, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

“O fracionamento do processo de licenciamento, além de enfraquecer o poder de polícia do órgão ambiental licenciador, converte o dever de consulta em etapa formal e dispensável do processo, uma vez que, ao final, caso a linha de transmissão seja parcialmente implantada segundo o traçado proposto, a consulta será meramente homologatória da decisão já tomada e concretizada unilateralmente pelos órgãos federais interessados e pelo empreendedor”, destaca o documento encaminhado à Funai e ao Ibama.

Para o MPF, tal conduta comprova a vontade deliberada do poder público de atropelar qualquer eventual manifestação do povo Waimiri Atroari quanto à viabilidade do empreendimento, a despeito de haver decisão judicial determinando a proteção de locais sagrados que seriam fatalmente atingidos pelo traçado proposto.

A recomendação do MPF acrescenta que desde o início do planejamento da implantação da linha de transmissão, ainda em 2008, passaram-se cerca de dez anos, tempo mais que suficiente para que o Governo Federal e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pudessem implantar medidas alternativas para suprir o fornecimento de energia elétrica no estado de Roraima ou, até mesmo, consultar o povo Waimiri Atroari e construir, por meio de consenso e diálogo, uma solução para a implantação da linha de transmissão.

O MPF fixou prazo de cinco dias, a partir do recebimento do documento, para que a Funai e o Ibama informem sobre o acatamento da recomendação.

COAÇÃO – Na recomendação, o MPF destaca que, ao longo dos últimos anos, o povo Waimiri Atroari construiu seu próprio regulamento de consulta livre, prévia e informada, o qual orienta o poder público e eventual empreendedor quanto à forma pela qual tal povo indígena deve ser consultado.

No entanto, a despeito dos entendimentos expressos nas decisões judiciais e da abertura para diálogo mostrada pelos indígenas, a Eletronorte decidiu suspender os repasses de convênio firmado com a Associação Comunidade Indígena Waimiri Atroari (ACWA), a título de compensação pela construção da Hidrelétrica de Balbina, caso os indígenas não concordem com a continuidade do procedimento de licenciamento ambiental. O MPF considera a decisão “prática abusiva e de coação, em flagrante desrespeito à autonomia do povo Waimiri Atroari, o que torna viciada e, portanto, nula, qualquer manifestação de consentimento eventualmente apresentada pelos indígenas”.

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