Cotidiano

Jovens tentam superar preconceito e desafios no mercado de trabalho

Conhecidos desde a infância, casal de jovens cruzaram a fronteira em busca de oportunidades, sem conhecer a cultura e a língua

Os amigos venezuelanos Sindra Paola Sandoval, 23 anos, e Andersson Javier Blanco, 22, vieram para o Brasil da cidade de Trujillo, em julho do ano passado. Os dois jovens chegaram acompanhados de mais dois amigos com somente R$ 34,00 no bolso. Mesmo com a dificuldade, eles não desistiram do sonho de ter uma vida melhor. 

“Nós somos uma equipe, somos tipo família. Então, nós viemos para cá começar uma nova vida, tentar fazer coisas que não tínhamos condições de fazer na Venezuela”, disse Andersson. Por sorte, no caminho, os amigos conheceram uma família brasileira que decidiu ajudá-los. “No ônibus, nós conhecemos um rapaz, também venezuelano, que tinha uma amiga brasileira aqui. A nossa ideia era dormir na rodoviária, porque não tínhamos dinheiro para nada. Só que, com a ajuda dessa menina, ela nos disse que poderíamos ficar na casa dela”, disse Sindra.

Ela afirmou que o grupo de amigos ganhou de presente um saco de farinha branca da mãe desta conhecida brasileira e, com eles, os quatro decidiram fazer arepas e vender no sinal para conseguir dinheiro e procurar trabalho. Depois de um tempo, foram comercializados outros doces, como bolos e brigadeiros, além de trabalhos como capinar quintal e descarregar produtos.

“Nós começamos a fazer coisas que jamais na vida nós tínhamos feito, porque chegamos aqui e não conhecíamos ninguém, não sabíamos o idioma. Assim, tivemos que fazer qualquer coisa”, disse Sindra. Com o pouco dinheiro que foi arrecadado, os amigos alugaram um apartamento no bairro Mecejana. “Nós não tínhamos nada, nenhum móvel, era só a casa. O dono do apartamento que alugava para gente ficou com pena de nós e nos emprestou um colchão”, disse.

Agora, Sindra trabalha como garçonete em uma distribuidora de bebidas e passou a morar com uma colega brasileira. Andersson trabalha como garçom em um restaurante de sopas. Parte do dinheiro arrecadado pelos dois é usada para ajudar a família dos jovens na Venezuela.

“É complicado, pois minha avó está em um estado delicado de saúde e não pode fazer viagens muito longas, então ainda não é possível. Eu não tenho como ajudar eles o quanto eu quero, não tenho condições para trazer eles para cá. Mas, quando eu posso, eu ajudo. Única coisa que eu posso fazer é enviar medicamento e comida, mas, na última vez, eu enviei muita coisa e só chegaram algumas coisas para o meu cachorro.

Roubaram tudo. Agora, eu mando dinheiro e, quando der, vou lá visitar”, informou a venezuelana.

Andersson também envia dinheiro para os seus familiares, mas acredita que não há chance de que os pais venham morar no Brasil. “Eles moram em um sítio e costumam ficar muito por lá. Meu pai é aposentado e minha mãe cultiva muitas coisas e vende na cidade, então, vir para cá seria muito difícil para eles”, disse.

ASSÉDIO – A venezuelana disse que um dos pontos negativos na experiência de ter vindo ao Brasil é o assédio sofrido por ela. Segundo afirmou, muitos homens a abordam agressivamente quando descobrem que ela é venezuelana. “Existem muitas meninas que estão aqui trabalhando como prostitutas. E como sou venezuelana, as pessoas acham que eu também trabalho como prostituta, tipo perto da Feira do Passarão. Então, isso não é legal. Sou abordada na rua, no supermercado, em qualquer lugar. Tem muitas meninas, mas nem todo mundo é assim. É como os brasileiros, nem todo mundo é assim”, afirmou.

Por sua vez, Andersson acredita que outra situação ruim é o preconceito enfrentado pelos estrangeiros. “Pessoas aqui acham que os venezuelanos são ruins, que gostam de fazer qualquer tipo de coisas, pegar coisas que não são deles, mas nós não somos esse tipo de pessoa. Nós sempre procuramos trabalho, sempre procuramos trabalhar. No meu caso, eu fiquei seis meses sem um emprego fixo, então fazia diária, trabalhava em restaurante, descarregava produtos do caminhão, auxiliava um rapaz que fazia mesas e cadeiras, tinha que ir caminhando a pé por uma hora para ir pro trabalho, porque não tinha para pagar um lotação, um ônibus, nada. Nós temos família, que nos ensinaram desde jovens a fazer a coisa certa, a ser justos com as coisas”, disse o venezuelano.

PLANOS – A garçonete estudava Relações Industriais e Engenharia de Manutenção Industrial, além de ser responsável pela produção de uma revista de variedades em Trujillo. “Aqui temos oportunidades que antigamente tínhamos na Venezuela. É uma meta que eu tenho”, disse Sindra.

Já Andersson pretende retomar a sua educação em Administração, fazer um curso de português e continuar morando no Brasil por tempo indeterminado. “Eu estou pensando em fazer faculdade, talvez voltar a fazer Administração. Vai depender das opções que eu tenho aqui e melhorar ainda mais a língua, fazer um curso de gramática”, explicou o jovem. “Agora, não pretendo voltar. Parece um retrocesso. Nós temos que ficar aqui, não sei quanto tempo, mas nós vamos ficar aqui para ajudar a nossa família”. (P.C.)