Saúde e Bem-estar

Incentivar a autonomia é fundamental para o desempenho cognitivo da criança

Pesquisa canadense mostra que, quando as mães dão suporte para que a criança possa realizar atividades sozinha, há uma melhora em sua capacidade de resolver problemas, na memória e no pensamento

Você faz tudo para o seu bebê? Tudo até encaixar um bloco de brinquedo que ele não está conseguindo? Veja só: um estudo realizado na Universidade de Montreal com 78 mães e filhos mostrou que, quando elas dão autonomia às crianças, há um impacto positivo na função executiva, um dos pilares do desenvolvimento cognitivo. Essa função engloba a memória de trabalho, raciocínio, capacidade de resolução de problemas e flexibilidade de tarefas, além da capacidade de planejamento e execução de atividades

Para o estudo, as famílias foram visitadas em duas ocasiões: quando a criança tinha 15 meses e depois, ao completar 3 anos. Na primeira visita, foi pedido à mãe que ajudasse o filho a completar uma tarefa com um nível de dificuldade consideravelmente alto. Essa atividade durava cerca de 10 minutos e foi gravada em vídeo para que os pesquisadores pudessem analisar o tipo de suporte materno. Ou seja, se ela o encorajava, se era flexível, se incentivava e respeitava o ritmo da criança.

Quando as crianças completaram 3 anos, os cientistas, por meio de uma série de jogos adaptados, avaliaram a força da memória de trabalho e da capacidade de pensar sobre vários conceitos simultaneamente. Aquelas que obtiveram melhores pontuações tinham mães que ofereciam um suporte consistente ao desenvolvimento de sua autonomia.

Autônomo desde cedo?

Você pode até achar exagero dar autonomia ao bebê desde pequeno. Mas trata-se de um processo gradual, que vai se desenvolvendo à medida que o seu filho realiza novas conquistas e adquire condições que contribuem pouco a pouco para que ele se torne independente. “Nós não ‘damos’ autonomia a uma criança, nós vamos ensinando e deixando que ela tente resolver questões, situações e conflitos nos quais houve uma orientação prévia, para que possamos reforçar os conceitos educativos e valores morais ensinados anteriormente. Neste sentido, a escolha da criança não é autônoma, mas supervisionada por pais ou responsáveis”, explica a psicóloga Rita Calegari, do Hospital São Camilo (SP).

Por isso, não se assuste: incentivar essa independência do seu filho é muito diferente de deixá-lo tomar decisões e fazer escolhas por conta própria. “Esse estímulo desde bebê é extremamente desejável. Para um desenvolvimento psicológico saudável é necessário que se interaja com o ambiente e que este o desafie, isto é: propor à criança situações que estimulem a busca ativa por soluções”, explica o psicólogo e neurocientista, Hudson de Carvalho, do Código da Mente.

Isso quer dizer que você deve estar ao lado da criança, orientando no que for possível, incentivando a realização de tarefas e propondo novos desafios, sempre permitindo que ela supere seus limites e explore o ambiente, dentro do que for seguro. “Dar espaço e oportunidade ao bebê é um ato de amor, cuidado e desprendimento”, explica o psicólogo Hudson.

É precisamente este terceiro item que representa o maior obstáculo para os pais: todo mundo quer ver o filho feliz e realizado, por isso é difícil (e doloroso) vê-lo lidar com o erro e a decepção sem interferir.  “O desprendimento surge quando o pai e mãe permitem que a criança lide com a frustração. Deve-se dar incentivos para que o bebê tente resolver algo que tenha condições de dar conta sozinho”, completa Hudson.

Quer saber como, no dia a dia, você pode incentivar a autonomia do seu filho? Confira abaixo dicas que você pode aplicar de acordo com a idade da criança:

– Envolva a criança aos poucos em pequenas escolhas do dia a dia. Deixe-a decidir qual será a sobremesa do almoço de sábado, por exemplo. Dê opções de trajes para que decida o que prefere vestir, apresente diferentes livros. Dica: limite o número de opções para que ela não se sinta perdida.

– Deixe o seu filho ciente sobre os ônus e bônus de toda a escolha, antes que ela decida o que quer e dê tempo para que possa refletir.

– Se a criança se arrepender da escolha que fez, ensine-a a lidar com a frustração! Explique que é assim mesmo, que haverá outras oportunidades e que ela fez o que achou melhor para aquele momento. Não a critique ou diga “eu te disse!”.

– Separe todos os dias 30 minutos para brincar com seu filho e nesse período de tempo se proíba de corrigi-lo, repreendê-lo e guiar a brincadeira. Faça aquilo que ele indicar que quer fazer – desde que não o coloque em risco, claro!

Fonte: Revista Crescer

Todos os santos


Roberta D’Albuquerque é psicanalista

“E é bom dormir consciente

De que estás viva e agitada

Nadando contra a corrente

Nesse teu mar camarada”

Vinicius de Moraes em 

Estâncias à minha filha

“Tudo bem com as crianças? Notícias?”

Foi a mensagem que apitou no grupo de WhatsApp das mães na última segunda-feira à tarde. Explico. As crianças da sala da minha filha mais velha partiram, na manhã daquele dia, para uma viagem a Santos. Passariam as próximas 72 horas em um trabalho de campo que, naturalmente, envolve alguma aventura escolar e social e que – também naturalmente – é aguardado com ansiedade pelos alunos. 

Daqui, do meu lugar de mãe, assisti à delícia das combinações. Como vão ser formados os grupos de estudo? Quem vai ficar comigo no alojamento? Será que vai dar praia? Vale levar uma guloseimazinha escondida na mala. Liga para um, liga para a outra. Bonito ver as memórias sendo construídas. Até que…

“Tudo bem com as crianças? Notícias?”

Não havia em minha imaginação espaço para nada que não fosse “tudo bem”. E a partir de então, houve. Espaço grande, frio, feio e escuro para toda e qualquer possibilidade de finais infelizes. Durou pouco. Mas o suficiente para me pôr para pensar.

Filhos estão sob risco o tempo inteiro. Estão vivos. E tudo pode acontecer a quem está. É um exercício poderoso de conviver com essas ameaças sem entregar todos os pensamentos a elas. É um exercício desafiador conviver com quem não se furta de despertar o medo alheio. É um exercício comovente conviver com quem acolhe a mensagem e conforta o mensageiro.

Para além do perigo, penso que parte do que provoca essa pergunta é a agonia de suportar não estar presente em todos os momentos da vida das crianças. O pedido de fotos da viagem para a escola, a investigação para saber quem levou o celular, quem postou o resultado das atividades o que dizem sobre nós, sobre o nosso tempo.

Deixemos nossos filhos correr o risco de viver. Não são santos (que bom), mas têm a companhia de todos eles. 

Ps: Em tempo, chegaram bem.

Por Roberta D’Albuquerque