Cotidiano

Famílias relatam dificuldades no atendimento a crianças autistas

Falta de informação e preconceito são alguns dos problemas que pais e mães encontram

Os sinais podem ser manifestados de diversas formas: dificuldades no desenvolvimento, fala, comportamento, agitação ou o silêncio completo. Mas isso não é a regra. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode ser caracterizado por formas e intensidades. Algumas crianças podem ter facilidade de comunicação, outras, sequer ficar no mesmo ambiente com mais pessoas.

Esses são alguns pontos enfrentados por famílias que recebem o diagnóstico do TEA e por conta dos diferentes sinais, têm dificuldades enormes. Conforme o neurologista Ruy Guilherme Silveira, justamente por conta dessas manifestações os casos diferem entre si.

“O autismo pode variar de um ser extremamente comprometido, até aquele capaz de chegar à universidade. Dizemos ser Transtorno do Espectro Autista porque tem esse conjunto de manifestações. Em geral a gente deve suspeitar de autismo nas crianças quando há atraso no desenvolvimento, particularmente, no linguístico e quando a criança desenvolve tiques, impulsividades… mas o diagnóstico se dá com um neurologista quando ele afasta outras causas de doenças”.

Ruy Guilherme informou que para acompanhar um autista é necessária uma equipe multidisciplinar com o máximo de estímulo e envolvimento da criança. Portanto, o tratamento é feito com terapia ocupacional, psicólogos, psicopedagogos e outros. Mas o ponto fundamental é a inclusão à sociedade.

“A inclusão é fundamental e as escolas têm que se capacitar para isso. O psicopedagogo vai fazer o acompanhamento. Caso a escola se recuse a aceitar o aluno é inconstitucional. É direito da criança que o Estado resolva essa situação por ela. O Estado pode escolher um local que tenha mais facilidade, mas a criança não pode ficar sem ser locada”, ressaltou o neurologista.

Assim mudou a vida da fisioterapeuta Lauricélia Carneiro. Ela percebeu que o filho tinha sinais incomuns, principalmente no desenvolvimento. O diagnóstico foi cedo, quando a criança tinha apenas um ano. Desde então, procura vencer as batalhas que encontra pela falta de informação sobre o transtorno.

“Sempre há dificuldade. Quando ele tinha dois anos tentei em uma escola particular. No dia da matrícula me prometeram uma auxiliar para ele, como manda a Lei. Mas, quando começaram as aulas não tinha auxiliar e as professoras da sala não entendiam nada sobre autismo. Ele passava mais tempo fora da sala do que dentro. Ele começou a ter medo de sair de casa, ter pesadelos, se morder. Antes disso ele adorava passear. Não sei o que fizeram para ele porque ele ainda não falava. Percebi a alteração de comportamento e o tirei de lá”, relembrou a mãe.

Após retirar o garoto de uma, Lauricélia procurou outras escolas para matricular o filho, mas encontrou barreiras. Uma delas informou que se quisesse auxiliar para acompanhar a criança, entrasse na justiça. Outras tinham vagas, mas ao serem informadas que o filho tinha autismo, recusavam a matrícula.

“Esperei ele fazer quatro anos para colocar na escola do Município. Tive muitos problemas. A professora não entendia muito do assunto, tudo o que eu tentava orientar ela criava problemas e toda conversa na escola era uma reunião séria, com ata, todos tinham medo. Eu paguei a psicóloga por um ano para ficar indo à escola orientar a professora, que não fazia tudo que era orientada. Ofereci cursos para essa professora, mas não quis fazer porque ia ocupar o final de semana dela. Ela chegou a sugerir que a criança não participasse das festas da escola”, lamentou a fisioterapeuta.

Lauricélia diz que o filho está na ponta mais leve do autismo, que é Asperger. Mostra inteligência e é sociável, mas precisa que as coisas a ele estejam adaptadas. Assim, não consegue imaginar a dificuldade dos pais de autistas em graus mais elevados. 

Pensando na falta de assistência às famílias ante o diagnóstico de TEA, outra mãe, Katiane Parente, montou uma associação para dar apoio aos pais de autistas. Mas, o desafio é extremo porque cada paciente tem manifestações diferenciadas.

A União de Pais e Pessoas com Autismo (UPPA) tenta divulgar o maior volume possível de informações sobre o TEA. E até convida especialistas para fazerem palestras. “Pensamos em conseguir a união entre as famílias para reduzirmos os problemas. Da necessidade de buscar conhecimento, falar sobre leis para que elas sejam cumpridas. Nossa meta é levar à população conhecimento sobre o que é o autismo, os sinais, onde buscar auxílio no estado”, disse a presidente Katiane.

De acordo com ela, pelo relato dos pais, a dificuldade é praticamente a mesma: achar atendimento especializado. “É muito precário são poucas vagas. O atendimento não é direcionado ao autista, o ambiente não é adaptado. Não existe inclusão escolar com adaptação de material, estrutura, nada disso. Eles vão sendo meio que atropelados e levados pela maré da turma”, apontou.

Além disso, Katiane disse que não existem estruturas públicas especiais para pessoas com autismo, faltam praças, projetos e conscientização sobre o tema. Ela se preocupa com famílias que possuem jovens adultos autistas porque não há nenhuma ação voltada para esse grupo.

Por não ter informações sobre o TEA, a presidente afirmou que até dentro do ambiente doméstico existem preconceitos. Familiares evitam contato por não entenderem o comportamento e acabam excluindo do convívio. Karine confessa que a UPPA ainda caminha em passos lentos, mas espera fazer levantamento para conhecer a quantidade de autistas em Roraima, informação não disponível em lugar algum. 

“Somos todos familiares de autistas. Não temos funcionários. Então é difícil fazer funcionar uma estrutura apenas com boa vontade. Não conseguimos fazer eventos periódicos porque familiares e mesmo os autistas têm dificuldades pessoais. Com mais informação esperamos viabilizar uma agenda proativa”, completou.

Falta estrutura para aumentar atendimento

Por se tratar de um transtorno com manifestações diversas, famílias autistas não encontram profissionais capacitados e disponíveis para fazer acompanhamento. Na rede estadual, existe limite de vagas e falta apoio para pais de autistas.

Mãe de um menino com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Lauricélia Carneiro, declarou que em certa ocasião, uma fonoaudióloga teria trancado uma criança em sala, deixando-a traumatizada. 

“Falta atendimento especializado. Por dificuldades sensoriais é complicado conseguir cabeleireiro ou dentista. É difícil achar pessoas que queiram entender ou se interessem. Ele quer fazer natação e estou tentando achar alguém que dê aula, não é fácil”, lamentou a mãe.

Presidente da União de Pais e Pessoas com Autismo (UPPA), Katiane Parente disse que na Rede Cidadania a limitação de atendimento é um problema. Junto com isso, há deficiência no apoio às famílias que recebem o diagnóstico.

“No estado não há acolhimento para as famílias. A gente não tem aconselhamento, não recebe informações sobre o que fazer em casa. Não tem esse tipo de ensino. Espero que haja uma mudança nas políticas públicas visando à criança”, reforçou Katiane.

OUTRO LADO – Por telefone, a diretora da Rede Cidadania Atenção Especial, Patrícia Lima, informou que a quantidade de atendimentos para cada criança é definida pelos técnicos da Rede. Mais de um atendimento por semana pode inviabilizar o atendimento de outra.

“Os autistas recebem trabalho e já mostram o quanto estão desenvolvidos. Uma psicóloga atende diretamente as famílias. Cada uma é informada sobre o quadro de sua respectiva criança, capacitando os pais a dar continuidade ao trabalho feito na Rede”, afirmou.

Sobre a continuidade, a diretora afirmou que realmente não existia, mas agora é possível. São mais de 100 autistas atendidos pela Rede Cidadania, de acordo com a necessidade de cada um. “Cada dia que passa a demanda aumenta, a gente acolhe e tenta fazer o melhor trabalho possível com essas crianças. Aumentou os técnicos também para melhor ampliar o atendimento”, ressaltou.

Patrícia informou que existe o planejamento para trabalho com jovens adultos autistas que precisam de assistência. 

Roraima não produziu Lei que obrigue atendimento

Na Lei Federal nº 12.764/12 a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerada pessoa com deficiência, mas na prática, a história é outra. 

Em algumas cidades do país, leis municipais foram sancionadas para tornar obrigatória a indicação em placas de atendimento prioritário para autistas. O símbolo é um laço formado por peças de quebra-cabeças coloridos.

Em Roraima, não há lei regulamentando essa exposição em locais públicos. O fato cria barreira para familiares quando precisam estar nesses ambientes.

À fisioterapeuta Lauricélia Carneiro, mãe de uma criança autista, foi negado o atendimento preferencial em um banco. E mesmo apresentando o laudo médico do filho, não obteve êxito.

Segundo a presidente da União de Pais e Pessoas com Autismo (UPPA), Katiane Parente, alguns ambientes são insuportáveis para pessoas com autismo. Então, o atendimento preferencial é a melhor opção para tirá-las do local o mais rápido possível.

“Como em geral as pessoas não sabem o que é a gente se vê obrigada a falar: ‘ele é autista’, a pessoa sabendo ou não o que é, a gente tem pelo menos dizer que é. Então é um pouco constrangedor a falta de informação por parte da população”, finalizou.