Cotidiano

Estrangeiros aumentam a concorrência no mercado de trabalho em Roraima

Brasil é alternativa de sobrevivência para milhares de venezuelanos

A grave crise econômica e política que assola a Venezuela fez com que o advogado Vicente Montero, de 29 anos, deixasse a cidade natal, Puerto Ordaz, no Estado de Bolívar, e migrasse para Roraima em busca de melhores oportunidades no mercado de trabalho.

Mesmo com formação superior, a dificuldade em dominar o idioma local e a competitividade no mercado de trabalho foram as principais barreiras para que o venezuelano conseguisse um emprego em sua área. Mas isso não desanimou Montero, que acabou sendo contratado por uma rede de varejo em Boa Vista para a vaga de treinee.

Ainda assim, o venezuelano ganha no Brasil o suficiente para sustentar ele e a família, que acabou ficando no país vizinho. “É claro que gostaria de estar trabalhando em minha área, mas a atividade que exerço hoje é muito melhor do que estar ganhando migalhas como ganhava em meu país. A Venezuela está falida”, afirmou.

Como treinee, ele recebe quase cinco vezes mais do que ganhava como advogado. “Eu decidi sair de lá porque o emprego paga muito pouco para quem é formado. Trabalhava em um escritório de advocacia, como sócio, mas a desvalorização do bolívar fez com que muitas famílias, inclusive a minha, passassem fome lá. O que eu ganhava lá não chegava nem perto do que ganho aqui”, disse.

O venezuelano destacou que o Brasil oferece muitas oportunidades de trabalho e considera a concorrência com brasileiros no mercado como saudável. “É claro que os brasileiros sempre serão preferência, até porque muitos empregadores ainda não confiam tanto em nós, venezuelanos. Mas eu ainda não desisti de conseguir uma vaga como advogado. Sei que um dia vou conseguir”, frisou.

Roraima é hoje a principal porta de entrada dos venezuelanos. Assim como Montero, milhares de estrangeiros vieram para o Brasil em busca de uma vida promissora. De 2015 para 2016, o número de pedidos de refúgios de venezuelanos ao Brasil cresceu 3.000%. Só no ano passado, cerca de 30 mil deles ingressaram em Roraima, segundo estimativas do governo Estadual, com base em informações da Polícia Federal (PF).

SINE – Os estrangeiros que não têm conseguido uma vaga de trabalho diretamente nas empresas, têm recorrido ao Sistema Nacional de Emprego (Sine), por meio do Departamento de Políticas de Emprego, Trabalho e Renda da Secretaria de Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes).

Segundo o órgão, cerca de 20 estrangeiros realizam cadastro mensalmente em busca de oportunidades. Para serem cadastrados no sistema, os estrangeiros precisam obter a Carteira de Trabalho. Os venezuelanos precisam apresentar o passaporte ou o RG e outras documentações para efetuar o cadastro.

A área de serviços gerais é a que mais abre vagas para estrangeiros em Roraima.  A construção civil também tem dado oportunidades, muito por conta da mão de obra barata.

Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Roraima (SRTE), o mês de outubro de 2016 foi o que registrou o maior número de Carteiras de Trabalho emitidas por venezuelanos: 135. De dezembro do ano passado a fevereiro deste ano, houve uma redução. Segundo estimativa do órgão, cerca de 200 imigrantes do país vizinho conseguiram obter o documento.

Atividade informal é saída para venezuelanos sem emprego

Quem passa pelos semáforos das principais avenidas pode ver vários venezuelanos trabalhando de forma informal: seja lavando os para-brisas dos veículos, vendendo frutas, acessórios diversos, entre outros. Para eles, o que importa é a subsistência.

Sem oportunidades de trabalho na Capital, o venezuelano Geise Mota, de 37 anos, anda pelas ruas de Boa Vista com uma placa de papelão pendurada no pescoço pedindo uma chance de emprego. Ele fica diariamente no cruzamento das Avenidas Ataíde Teive com a Venezuela, no bairro Liberdade, zona Oeste.

Em novembro do ano passado, o venezuelano deixou o município de Puerto Ordaz, no Estado de Bolívar, e veio para Boa Vista com mulher e filha em busca de melhores condições de vida.

No começo, o venezuelano contou que chegou a conseguir emprego, mas a falta de serviços fez com que ele fosse demitido. “Trabalhei como mecânico, mas sai porque estava fraco de serviço nesses meses”, disse.

FECOMÉRCIO – O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Roraima (Fecomércio), Ademir dos Santos, explicou que a legislação brasileira não permite a distinção entre o migrante e o nacional. “Todo emprego formal do migrante é legalizado e automaticamente eles têm os mesmos direitos que o trabalhador brasileiro”.

Ele avaliou como situação de mercado a concorrência de vagas entre os estrangeiros e brasileiros. “Em questão de retirar a vaga do brasileiro é o mercado. O comércio tem desempregado nos últimos meses. As contratações caíram muito”, disse.

Para Ademir, as empresas locais sabem de suas obrigações na hora da contratação de venezuelanos. “O empresariado local é muito consciente das suas obrigações e nesse sentido contrata a mão de obra que melhor lhe atende, respeitando as leis. Não acredito que haja a contratação de estrangeiros para subempregos”, afirmou.

A concorrência é vista com bons olhos para o presidente da Federação. “Toda concorrência é salutar, pois vivemos em um sistema capitalista de livre concorrência. Em um passado não tão distante não tínhamos mão de obra, que era caríssima e se tinha dificuldade de encontrar trabalhadores e hoje se inverteu a roda. Todos ganham: o empresário, o consumidor, a população em geral, o migrante e o próprio trabalhador brasileiro que tem a oportunidade da competitividade”, frisou. (L.G.C)