Cotidiano

Especialistas divergem sobre consequências da privatização

Projeto de Lei que determina a venda da empresa está em andamento, enquanto isso, a população ainda tem dúvidas sobre real impacto da desestatização

Mesmo em pauta desde o ano passado, quando houve o anúncio pelo Governo Federal que leiloaria as distribuidoras de energia de seis estados brasileiros, o processo de privatização da Eletrobras ainda tem gerado debate e causado muitas dúvidas em relação ao futuro da empresa e também aos serviços prestados a população. 

Para contextualizar: o Projeto de Lei que determina a venda das concessionárias nos estados de Roraima, Amazonas, Rondônia, Acre, Piauí e Alagoas está aguardando votação no Senado Federal e deve acontecer após o recesso legislativo, que tem início amanhã, 18, e termina em 31 de julho. Na semana passada, a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu o leilão das distribuidoras, que aconteceria no dia 26 deste mês, por entender que é necessária autorização legislativa para a venda das distribuidoras.

Diante da complexidade do assunto, a Folha procurou dois especialistas em economia para explicar o assunto e analisar quais os possíveis resultados se a privatização for concluída e quais os pontos principais que poderiam afetar a população roraimense. Confira abaixo o posicionamento contrário e a favor da privatização da Eletrobras Distribuição Roraima.

Privatização significaria aumento na conta de energia e demissão em massa

O primeiro especialista entende que a privatização representa a perda de um serviço que beneficia a população e visa somente o lucro de mercado, o que significaria prejuízos para alguns grupos de consumidores, por exemplo, comunidades indígenas e ribeirinhas, por conta da distância e acessibilidade para distribuir energia nesses locais.

O economista consultado pela Folha apontou que, dentro da rede de distribuição que existe em Roraima, essas comunidades já possuem dificuldade em conseguir acesso à energia, em um processo de desestatizar a empresa, haveria um custo de produção maior e que, consequentemente, iria ser repassado para o consumidor por meio da conta de energia.

“Não favorece ninguém a privatização. Se você for dar uma olhada, a tarifa de energia elétrica cobrada no Estado de Roraima é uma das mais baratas do país. Se privatizar vai cobrar uma tarifa de mercado, provavelmente vai ser o dobro do que é pago hoje. A privatização não beneficia a população, principalmente as de baixa-renda. Quando há um aumento no custo de produção, logo essas empresas vão transferir esse aumento para os consumidores. Vai haver uma elevação no custo de vida”, explicou.

Para o especialista, a concessão em uma única empresa não dá a condição para a população escolher o que melhor favorece o consumo, ou seja, sem concorrência a empresa privada pode cobrar o valor que desejar. Já na empresa pública, o objetivo é qualidade de vida e bem estar, descartando o lucro e providenciando obrigatoriamente energia para a população do Estado. 

Em relação ao Linhão de Guri, que abastece 80% da energia de Roraima, o economista defendeu que não existiria alteração no contrato caso a Eletrobras seja vendida, já que o acordo é feito como uma venda da energia gerada na Venezuela entre os governos dos países.

“São situações que o nosso estado apresenta uma característica distinta dos outros estados, os outros estados são interligados ao sistema elétrico nacional, nós, não. O que vai resolver o problema da energia de Roraima? É privatizando? Não, é resolvendo as questões burocráticas e políticas que impedem a interligação com o Linhão de Tucuruí. Quando resolver isso, acabou o problema da nossa dependência da energia venezuelana”, afirmou.

Sobre a ligação com o sistema nacional, o especialista entende que, além do aumento, apenas os grandes centros de consumo de energia, como Boa Vista, poderiam ter uma melhora no fornecimento de energia, mas o interior e vilarejos agrícolas poderiam ser esquecidos.

Por fim, o economista ressaltou que o processo de privatização representaria também uma demissão em massa dos atuais funcionários da Eletrobras Distribuição Roraima. “Como empresa privada, ela preza pela eficiência, vai gerar muitas demissões. Um estado como o nosso, que depende do funcionalismo público, fica como? Como ficam esses servidores? Impacta mais ainda nossa economia. Hoje, parte dos serviços prestados pela Eletrobras não é por servidores concursados, é por empresas terceirizadas. Primeiro que vai gerar muita demissão e vai continuar contratando as terceirizadas por preços menores”, encerrou o economista.

Venda da Eletrobras poderia gerar melhoria no serviço prestado

Já o outro especialista, o economista Fábio Martinez, acredita que quanto menos interferência do Estado na economia, melhor para a população. Por isso, a privatização seria um benefício por estar relacionada com a redução do governo e geraria mais eficiência nos serviços prestados.

Em um primeiro momento, Fábio acredita que, de uma forma geral, empresas estatais têm a tendência em aumentar o quadro de funcionários, o que acarreta em contratações que não possuem necessidade e pode gerar salários exorbitantes para servidores que são locados em cargos de maior influência. Com a privatização, é possível que haja uma demissão em massa e que esse é o principal ponto negativo que pode ocorrer caso a Eletrobras seja vendida.

O economista também apontou que as comunidades isoladas de Roraima, que dependem da geração de energia por termelétrica, não são viáveis na administração privada porque são de um custo maior de produção, o que gera dúvidas sobre como ficaria o fornecimento de energia dos municípios mais distantes. 

Fábio disse que a questão do possível aumento da taxa de energia pode não acontecer porque o preço é tabelado pela Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que determina os parâmetros de reajuste na conta. O economista relembrou que já houve aumentos na tarifa sendo uma empresa pública, portanto, o aumento estaria além de ser privada ou não.

“O foco da administração pública é gerar serviços essenciais para a população, não gerar o serviço melhor. Se existe o setor privado que pode gerenciar isso, que se passe para ele, até porque reduz os custos do Governo. Com redução dos custos tem uma gerência mais eficiente”, levantou Fábio.

Sobre a energia vinda da Venezuela, o economista também acredita que a privatização não vai afetar a relação entre os países e que possivelmente continuará no mesmo quadro, pois é vantajoso para os dois países: o Brasil, uma energia mais barateada e a Venezuela com a entrada de dólar em momentos de crise. “O acordo é entre governos, mudar a administração de quem vai distribuir isso não interfere. Termelétrica é muito mais caro e polui mais, então melhor mesmo é manter a energia de Guri”, salientou.

Finalizando, Fábio Martinez acredita que a questão do Linhão de Tucuruí não tem ligação direta com a administração da Eletrobras, então a venda da empresa não influenciaria a ligação ou não. “Existe uma questão crítica ali, não é a administração. Ainda não tem resolução para essa situação, falta melhor negociação com os [indígenas] Waimiri-Atroari para passar o linhão”, finalizou.