Política

Empresa ligada a irmão de advogado de Jucá comanda pardais em Boa Vista

A empresa ganha R$ 3 milhões em contrato mais valor mensal por câmera instalada

A empresa Data Traffic S/A, que tem como acionista o irmão do advogado do senador Romero Jucá (MDB-RR), recebe atualmente R$ 3 milhões da Prefeitura de Boa Vista para gerenciar pardais e multas aplicadas aos condutores boa-vistenses. Marcos de Almeida Castro, que já detinha 7,5% da empresa, adquiriu mais 7,5% de ações, quando seu irmão Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de Romero Jucá, vendeu para ele sua participação, avaliada em R$ 2,5 milhões. 

Marcos é hoje o segundo maior acionista da empresa, com percentual de 15%, perdendo apenas para a Santa Teresa Participações, que tem 25% das ações e tem como sócio-proprietário um dos doadores da campanha do ex-senador José Sarney (MDB).

A Data Traffic atua no ramo de radares eletrônicos em vários estados do país e já teve uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pedindo a quebra de seus sigilos bancário e telefônico durante a Operação Monte Carlo, que investigava suspeitas de ligação do Governo de Goiás com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Os negócios da Data Traffic com a Prefeitura de Boa Vista decorrem de adesão à ata de preços feita com a Agência Goiana de Transportes e Obras Públicas (Agetop), em Goiás. A administração municipal firmou contrato com a Traffic aderindo à Ata de Registro de Preços celebrada por essa agência, dispensada a licitação para operar todo o sistema de aplicação e cobrança das multas.

O processo Nº 201500036001881/AGETOP foi feito na adesão à ARP 004/2016/AGETOP e consta no Diário Oficial do Município de Boa Vista, com o objetivo de contratação de empresa especializada para execução de serviços contínuos informatizados de automação do processo de medição de velocidade de veículos, em pontos críticos das vias municipais, com radar fixo e discretos medidores de excesso de velocidade.

O valor total do contrato é de R$ 3.054.226,80 com prazo de vigência de 30 meses, podendo ser prorrogado no interesse da Administração Municipal.

Advogado diz que participação na empresa é zero

A reportagem da Folha procurou o advogado do senador Romero Jucá, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que explicou que nunca participou do dia a dia da empresa Data Traffic ou foi à sua sede e nada tem a ver com a empresa. Assim, não pode dar informações sobre a empresa.

“Eu não sou sócio, não tem nada com essa empresa e fui investidor uns 200 anos atrás e não tenho conhecimento de como está a situação hoje em dia, não sei quem é dono ou sócio e não acompanho nada, minha participação é zero”, afirmou.

Prefeitura diz que desconhece parentesco na empresa

Em nota à Folha, a Prefeitura de Boa Vista esclareceu que não tem conhecimento sobre os parentescos dos sócios da referida empresa.

Disse ainda que a contratação da empresa Data Traffic se deu por meio de Adesão à Ata de Registro de Preços do Governo de Goiás, pois, mediante pesquisa de mercado, “essa foi a opção mais vantajosa para a administração, por ser mais barata e atender as especificações determinadas pelo estudo técnico de trânsito”.

Presidente da Data Traffic diz que investidores não gerem a empresa

Em entrevista à Folha, o presidente da Data Traffic, Luiz Castro, explicou que a empresa é uma sociedade anônima e tem apenas acionistas e não sócios. “Qualquer pessoa que queira comprar ações da Data vira acionista da empresa. Não é como se a pessoa fosse sócio. Existe um conselho de administração, eleito por esses acionistas, e existe uma diretoria executiva que é toda formada por profissionais do mercado. Os acionistas não têm atividade de gestão na empresa e não temos relação de pessoas que possam colocar em dúvida esse processo”, disse.

Castro confirmou que o irmão de Kakay tem ações na empresa. “O senhor Antônio Carlos é advogado de um monte de gente e não apenas do Senador Romero Jucá e quem tem ações na empresa é o irmão dele, que é um investidor, mas não temos relação com o que eles fazem ou situações políticas. Nenhum acionista tem atividade executiva na empresa e nem sei se ele conhece a empresa. Essa situação foi explorada uma vez na imprensa e não queremos mais precisar dar esclarecimentos sobre esse assunto”, afirmou.

A empresa atua em Boa Vista por meio de adesão à ata, uma modalidade que dispensa a licitação. “Nós temos vários contratos no Brasil inteiro e, em Boa Vista, teve adesão à ata de preço. O município demonstrou interesse e é um processo que a área comercial da empresa conduz e atuamos na mesma modalidade em outros órgãos, como o Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte], a ANTT [Agência Nacional de Transporte Terrestre]. O contrato com a Prefeitura de Boa Vista é um contrato como qualquer outro contrato e não tem nada de especial”, reforçou.

Para o presidente, quem trabalha com órgão público sempre passa por essas situações. “O nosso papel é garantir que os equipamentos funcionem adequadamente e controlar o trânsito e evitar acidentes e mortes. Outros campos, como o da política, que não estão ligados a isso entram no campo especulativo e não tem sentido comentar”, concluiu.

Empresa afirma que não recebe por multa aplicada

A empresa Data Traffic não recebe apenas os R$ 3 milhões, constante no contrato. O presidente da Traffic, Luiz Castro, explicou que a empresa recebe pagamento do serviço por equipamento instalado. Neste caso, cada câmera instalada controla uma pista e a empresa recebe um valor fixo e tem direito a esse valor havendo ou não a multa. “Não posso precisar o valor, pois não tenho o contrato com esse município específico em mãos, mas recebemos pelo equipamento instalado o valor fixo independente de ter tido ou não a multa”, disse, acrescentando que a Constituição define que as multas não podem ser usadas com outra finalidade que não seja a área de trânsito.

“Então só quem pode usufruir das multas é o município e ele tem que ter aplicação definida na área de trânsito. O que o município arrecada com as multas é 8 a 10 vezes mais do que ele paga para a empresa pelo equipamento. É um custo muito menor do que aquilo que o município capta em termos de multa. E as pessoas não deviam se preocupar com a arrecadação das multas, mas sim com a redução dos acidentes”, frisou.