Cotidiano

Em um ano, 23 crianças foram adotadas em Roraima

Conheça a história da mulher que além de dois filhos biológicos, adotou mais 13 crianças e adolescentes

Dentro de um ano, a Vara da Criança e do Adolescente do Tribunal de Justiça de Roraima contabilizou um total de 23 processos de adoções concluídos no estado. Atualmente, apenas um adolescente está habilitado no cadastro disponível para adoção e 60 casais estão habilitados a adotar crianças.

O juiz substituto da Vara da Infância, Marcos de Oliveira, explicou como o procedimento é feito para cadastrar tanto os casais interessados em adotar como as crianças disponíveis para adoção. Segundo ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a adoção deve ocorrer, preferencialmente, por meio do Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

Nesse caso, existem duas situações em que uma criança pode ser incluída. A primeira é quando o lar já foi destituído, ou seja, não existe mais condições da mãe ou do pai criar, e a equipe multiprofissional já fez uma pesquisa com a família ampliada e não encontrou nenhuma pessoa com condições ou interesse de ficar com a criança.

O segundo caso é quando a própria mãe procura o Juizado para entregar o filho para adoção. “Ela [mãe] tem esse direito de decidir não criar o filho, seja por estar impossibilitada economicamente, ou por falta de maturidade. E mesmo nesse caso, é feito também um estudo, pela equipe técnica formada por um psicólogo, assistente social e pedagogo, para buscar a família ampliada como os avós, os tios, ou padrinhos, alguém próximo que possa cuidar e que dessa forma a criança não saia daquele núcleo familiar”, detalhou.

Da mesma forma ocorre com os casais que possuem o interesse de adotar. Eles passam por treinamento, entregam documentos e informam quais as condições que desejam ser incluídos: adotar apenas crianças recém-nascidas, abertos para adotar até 10 anos ou adolescentes.

O juiz ressalta ainda que o próprio ECA estabeleceu algumas situações em que se permite “quebrar as regras” e o Juizado autorizar adoções de crianças fora do cadastro. “A gente não pode fugir da realidade, em que alguém é próximo e começa a ter um vínculo, começa a cuidar e daqui a 7 ou 8 anos já criou uma afinidade, tanto do casal quanto da criança. Então quando se tem essa situação, excepcional, em que se criou uma afetividade, e na busca do melhor interesse da criança, permite-se a quebra do cadastro. A nossa realidade é que existem algumas adoções que começam assim”, informou.

Por outro lado, ela afirma que tanto o Juizado como o Conselho Tutelar e demais organismos de defesa da criança e adolescente nunca deixam de combater é a adoção à brasileira em que a criança chega por uma entrega e alguém vai faz o registro da criança sem o processo legal. “O cadastro é justamente para isso. Para conscientizar, mas pode acontecer de existir um tramite inadequado. O caminho é conscientizar e orientar”, afirma.

Elexsandra Barbalho vive hoje com dez de seus 15 filhos, mas afirma que o vínculo de mãe e filhos continua com todos

Quem frequenta o Cantinho da Vizinha – provisoriamente instalado na Marina do Rio Branco – não imagina que por trás do conceituado restaurante de comida regional existe a história de uma mulher que lutou contra a própria família para ser mãe de 15 filhos.

A Vizinha, como é conhecida Elexsandra Barbalho, chegou a Roraima do Maranhão ainda criança, com 11 anos, junto com os pais e oito irmãos, carregando consigo o sonho de estudar medicina e ser mãe de sete filhos. Hoje, aos 41 anos, os planos de estudar tomaram outros rumos, enquanto o desejo de ser mãe de sete foi realizado em dobro.

Os pais de Vizinha, um garimpeiro e uma autônoma, buscaram em Roraima a chance de ter uma vida melhor. E foi aqui que ela cresceu, auxiliando a mãe no churrasquinho que ajudava a sustentar toda a família (Vizinha é a quarta de nove filhos do casal).

Casada pela primeira vez aos 19, quatro anos depois ela iniciou sua jornada como mãe, quando teve sua primeira filha biológica, a qual ganhou uma irmã logo em seguida. Ela achava que sua prole acabaria ali, mal sabendo o que o destino a reservava.

Pouco tempo depois, Vizinha herdou o pequeno empreendimento da mãe, onde encontrou sua vocação profissional: a gastronomia. As filhas foram criadas entre pratos e panelas de comida, quando aos oito e seis anos foram surpreendidas pela primeira adoção pela mãe: uma menina de 10 anos, até então afilhada dela. “Eu não concordava com algumas atitudes da criação dela e por isso pedi que a mãe deixasse a menina para eu criar”, explicou, ao lembrar que já estava casada com o segundo marido.

 

Por estar próxima do seio familiar, a primeira adoção não trouxe tantas mudanças na rotina da família. Mas em seguida, no churrasquinho da Vizinha, todos os dias, um homem de 26 anos, mal vestido e faminto aparecia para pedir um prato de comida. Nessa relação diária, os dois começaram a ser ligados pelo fio invisível do amor, que após cerca de oito meses os transformou em mãe e filho.

Por se tratar de um homem já adulto e totalmente estranho, a adoção gerou resistência nas filhas – então com sete e nove anos -, no marido e nos pais. “Aos poucos meus familiares entenderam que estávamos fazendo isso para somar na vida de cada um. Hoje todos sentem respeito e amor um pelo outro e todos se chamam de irmãos, pai, mãe e avós”, explicou a super mãe.

E assim, um filho após o outro, Sandra chegou ao impressionante número de 13 filhos adotivos, além das duas biológicas. Foram cinco anos entre a primeira adoção, em 2008, e a mais recente, em 2013.

Questionada sobre como surgiu o desejo de adotar, ela tem uma resposta simples: “Foi o mundo que me trouxe. Não são filhos comuns, são vítimas do álcool, das drogas, do tráfico… adotei para ajudar”. A relação de Vizinha com os filhos, com idades entre 9 e 56 anos, quebra vários paradigmas, inclusive o da adoção tardia, mostrando que a relação de uma mãe com os filhos é baseada no respeito e proteção, independentemente da idade.

Se no coração da mãe sempre cabia mais um, na casa onde eles moravam não era bem assim. Enquanto vivia apenas com as filhas biológicas, ela conseguia provê-las vendendo churrasquinho na rua. Mas quando os filhos adotivos começaram a chegar, a mãe teve de improvisar para acomodar todos.

No mesmo ano da adoção do último filho, um pequeno menino então com 5 anos, Vizinha teve a oportunidade de tocar um restaurante no Iate Clube. O que era para ser a oportunidade de mudar de vida lhe trouxe um desafio ainda maior. “Para ficar no Iate eu teria que contratar um vigia para cuidar das coisas. Como eu não tinha dinheiro para isso, tive que dar um jeito de morar lá com os meus filhos”.

A primeira saída foi comprar redes e barracas e fazer um verdadeiro acampamento com os filhos do coração. Foram os oito meses mais difíceis da vida dela, mas, o que lhe deu impulso para crescer.

Em seguida, o Iate Clube disponibilizou uma casa para que ela recuperasse, morasse e trabalhasse. “A casa precisava de muita reforma. No dia seguinte, enquanto olhava para as paredes pensando em como começar, meu irmão deu dinheiro para comprar um pouco de comida. Em vez de comer, a gente vendeu e assim começamos”, relembrou.

Depois de muita dificuldade, Vizinha arranjou um trabalho em um shopping para complementar a renda e com uma tripla jornada de trabalho – realizado sempre em família – conseguiu dinheiro para reformar a casa com quatro quartos para acomodar todos os filhos.

Das sete filhas e oito filhos, cinco não moram mais com ela: ou casaram e constituíram a própria família, ou optaram por voltar a viver com a família biológica. Mas ainda assim, Vizinha afirma que o vínculo de mãe e filhos continua com todos eles. “Quando levo eles para visitar os avós, temos que fazer duas viagens. Mas todo o esforço é pouco para que a família fique sempre unida”, relatou.

Sempre disposta a crescer, Elexsandra, Sandra, ou simplesmente Vizinha, tem o sonho de conquistar a tão sonhada casa própria. E para quem pensa que a jornada dela como mãe acaba por aí… “Minha porta está aberta. Vou criar quantos Deus mandar pra mim, porque meus filhos me deram coragem para encarar a vida. Como sei que eles dependem de mim, isso me impulsionou a crescer na vida”.