Cotidiano

Depois dos 40 anos, eles realizaram o sonho de cursar o Ensino Superior

Maria Moreira Viana, Maria de Lourdes Bonfim e Antônio Bonfim receberam apoio e incentivo dos filhos para iniciarem a faculdade

Depois de certa idade, pessoas que nunca cursaram o ensino superior não veem mais sentido em fazê-lo, temendo pela competitividade do mercado de trabalho, capacidade de aprendizado já não tão apurada e, em alguns casos, consideram desnecessário após tantos anos de vivência.

Mesmo com esses entraves, pessoas que estão na faixa-etária dos 50 anos demonstram que nunca é tarde para aprender ou realizar um sonho acadêmico, que há tempos parecia impossível devido às condições financeiras ou necessidade de sustento de suas famílias.

Este é o caso da comerciante Maria Moreira Viana, de 57 anos, que está perto de terminar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Psicologia numa faculdade particular. Ela contou que sempre teve o sonho de fazer uma graduação, mas acabou esquecendo-se dele para sustentar os filhos. Depois de um tempo, eles começaram a incentivar a mãe a cursar o ensino superior.

“Eu sempre quis me formar em Assistência Social e depois ter filhos. A vida me deu três filhos primeiro, então tive que deixar o sonho de lado para cuidar de um comércio, pois era mãe solteira. Após meus filhos crescerem e entrarem para o ensino superior, eles começaram a me pressionar, dizendo que eu tinha que fazer uma graduação. A ideia de ir para a Psicologia veio da minha filha, que dizia para mim que cuidar de três filhos sendo solteira requer um psicológico muito bom”, lembrou.

Maria disse que, ao ingressar no curso, tinha medo de se sentir excluída por causa da sua idade. Entretanto, ela conseguiu ganhar muita confiança, especialmente dos alunos mais novos, criando uma relação de ajuda mútua na hora de realizar trabalhos em grupo.

“Eu era bem retraída no começo, me sentia um pouco deslocada em relação aos jovens de 18, 19, 20 e poucos anos. Comecei a me soltar na sala aos poucos, mas sempre sendo meio comedida, pois sei que podia haver o conflito de mentalidades. Quando vi, eu já estava ajudando eles com suporte emocional e organização, enquanto eles me ensinavam a mexer no computador. Minha relação acabou sendo muito boa, especialmente com os mais novos da turma”, relatou.

Atualmente, Maria Viana gostaria de trabalhar com pessoas com deficiência mental. “Eu quero ouvir as pessoas. Hoje em dia é tão difícil elas serem ouvidas. Fiz um estágio no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) III e, por lá, eu cheguei à conclusão que quero trabalhar com pessoas com problemas mentais. Pois essas pessoas precisam ser ouvidas em seus momentos de lucidez, e usam quem escuta como suporte emocional. A princípio, farei isso de forma voluntária”, frisou.

A administradora de uma igreja, Maria de Lourdes Bonfim, de 52 anos, tem uma história parecida. Assim como Maria Viana, ela resolveu cursar Psicologia em uma faculdade particular em idade considerada avançada, aos 47 anos. 

“A princípio, vim para Roraima para ingressar na Universidade Federal, que tinha sido criada recentemente. Acabei me casando, tive filhos e trabalhei em um salão de beleza enquanto meu marido ficava em um comércio. Depois de alcançarmos uma estabilidade financeira, comecei a fazer trabalhos junto à igreja, e foi nela que descobri que queria ser psicóloga, pois comecei a ver a necessidade da profissão na ajuda de muitas famílias”, explicou.

Maria de Lourdes conta que, na faculdade, foi abraçada pela maior parte da turma, devido ao seu senso de organização ser mais apurado do que de alunos mais jovens. Ela destacou que chegou a ser chamada de ‘mãe’ por um grupo de alunas antes de se formar, no primeiro semestre deste ano.

“As pessoas mais jovens eram cheias de ideias, porém não tinham muita organização, o que é natural de quando se tem 20 e poucos anos. No meu caso, como eu já tinha uma maturidade para administrar ideias e execuções, o pessoal queria sempre fazer grupo comigo nos trabalhos. Algumas alunas de lá, que estudaram com minha filha na pré-escola, passaram a me chamar de mãe de tanto que eu as ajudava nas horas de sufoco”, lembrou.

E Maria de Lourdes não pretende parar na graduação. Ela ressaltou que já está em busca de especializações para ajudar em seu trabalho realizado na igreja que administra. “A princípio, quero aperfeiçoar meu trabalho na igreja. Mas também busco especializações. Gerontologia, que é especializada em idosos, e neuropsicologia são áreas que quero investir. Estou já fazendo curso on-line, mas também viso o presencial”, concluiu.

O marido de Maria de Lourdes, Antônio Bonfim, também teve que esperar chegar aos 48 anos para conseguir concluir o ensino superior em Administração, também em uma faculdade particular. Segundo ele, o ingresso do filho no mesmo curso o incentivou a tentar novamente, uma vez que ele já havia largado o curso de Economia para sustentar a família.

“Fiz Administração em período semelhante ao do meu filho. Eu tinha uma paixão maquiada pela Administração. Arrisquei uma faculdade de Economia na Universidade Federal em uma época, mas o trabalho não me permitiu seguir com o curso. Depois que meu filho ingressou em faculdade particular para fazer Administração, levei aquilo como incentivo para mim”, contou.

Após se formar, em 2011, Antônio e o filho prestaram concurso público para o Tribunal de Justiça, em que ambos foram aprovados. “Esse concurso foi uma verdadeira benção. Hoje em dia sou estabilizado financeiramente e trabalhando no que gosto. É algo que sempre incentivo para quem já passou dos 40, pois é muito comum as pessoas se depreciarem quanto a isso nessa fase da vida. Dia para estudar é hoje, não tem essa de ‘já se foi o tempo’. Pessoas mais velhas são capazes de competir com os mais novas, nas mesmas condições. É uma questão somente de esforço e vontade e perseverança”, concluiu. (P.B)