Cotidiano

Delegado critica situação da Polícia Civil e chama instituição de falida

Atualmente trabalhando no 4º DP, delegado disse que delegacias em todo o Estado são depósitos de Boletins de Ocorrência

Em entrevista à Folha, neste domingo, dia 13, o delegado de Polícia Civil Francisco Araújo afirmou que neste momento a instituição policial do Estado está “falida”. Fazendo críticas ao sistema de Segurança Pública e à administração que gere a polícia, apontou os principais problemas que, segundo ele, agentes de polícia, escrivães e delegados estão vivenciando.

“Não só a Polícia Civil, mas o sistema de segurança pública do Estado, hoje, eu posso dizer que está falido. Se disser que é culpa da atual gestão, vou estar mentindo. A culpa já vem de gestões passadas. Para ter ideia, a maioria das delegacias estão em situações impróprias para o trabalho”, declarou o delegado.

Recém-transferido para a Capital, Francisco Araújo, acredita que tenha sido remanejado pelo fato de ter feito críticas ao governo. “Vou dar como exemplo a Delegacia de Polícia de Caracaraí, onde eu estava lotado. Lá você trabalha em um ambiente totalmente insalubre, penoso, todos os funcionários trabalham no mesmo setor, numa mesma sala, com cupim e formiga caindo na cabeça e um mesmo banheiro, que atende ao público e aos servidores, parece uma latrina. O plantão fica numa pequena sala e eu comecei a fazer algumas críticas, cobrando a Delegacia de Caracaraí, que é um prédio que está para ser reformado. Comecei a cobrar e me removeram para o 4º DP, pior que Caracaraí, que, porque funciona do lado do 3º DP, não tem ambiente para atender a todos os delegados e nem aos funcionários”, destacou Araújo.

Para o delegado, a situação é “caótica”, sendo o único estado do País em que a polícia trabalha apenas meio período. “O sistema de segurança, onde o secretário de segurança não tem poder e mando na Polícia Civil, no Bombeiro e na PM [Polícia Militar], não funciona. Hoje nós temos uma Secretaria de Segurança Pública, e o secretário, independente de quem seja, não tem o poder de coordenar, de dirigir a segurança pública do Estado porque está mais para uma rainha da Inglaterra, no modo figurativo da palavra. É secretário, mas não manda”, frisou.

Araújo revelou que, acompanhando as notícias divulgadas pela imprensa local, percebe que há uma “desmotivação” geral que impera entre os servidores devido à falta de estrutura, falta de qualificação e falta de valorização do servidor. “Desde que essa nova gestão da Polícia Civil tomou posse, nunca houve uma reunião com os delegados de polícia, titulares, tanto os do interior, como os da Capital e os demais delegados de polícia dos outros núcleos para discutir a questão de como trabalhar, como deve ser feito um trabalho para se adequar aos moldes da atual gestão. A Polícia Civil está sendo gerenciada, mas não há descentralização. Hoje o delegado de polícia, por exemplo, não tem o poder dentro da sua pasta de mudar um servidor de um ponto para outro, então não tem como cobrar uma polícia efetiva”, acentuou.

Quanto aos veículos utilizados para o trabalho investigativo, o delegado disse que não tem combustível suficiente, de modo que a cota diária é de pouco mais de dez litros de gasolina. “Aí eu pergunto, como pode uma polícia investigar? A Polícia Civil não detém viatura descaracterizada para trabalhar nas investigações. Como é que vamos apurar o crime de pedofilia na porta de escola com a viatura caracterizada? O trabalho de investigação policial requer campana. Como é que você vai investigar o tráfico de drogas com a viatura caracterizada? Não tem como se investigar. Hoje nós podemos dizer que a Polícia Civil não investiga nada”, cobrou.

Referente às ocorrências, Araújo reforçou que o que tem hoje são “depósitos de Boletins de Ocorrência” de crimes que não são investigados pela falta de condições de trabalho. “Uma polícia que não possui, sequer, sua própria estatística policial e quantos crimes ocorrem durante o dia? Não há como se falar de uma Polícia Civil que funcione. Se pegar as Delegacias do interior, estão em total abandono. Hoje, 99% das prisões em flagrantes que são feitas no estado de Roraima, posso afirmar, tomando como base Caracaraí, são feitas pela Polícia Militar, e se for falar de crimes esclarecidos pela Polícia Civil, poucos crimes são esclarecidos. Por quê? Pela precariedade, pela falta de trabalho, de viatura, de combustível e principalmente pelo fato de as 13h o serviço parar. Só se investiga crime em Roraima das 07:30h às 13h, depois disso, parou investigação”, apontou.

Dentre os problemas pontuados pelo delegado, além dos que já foram citados, estão a falta dos cursos de aperfeiçoamento profissional para os servidores da Polícia Civil; falta de telefone fixo e de internet, especialmente no interior. “No interior não tem telefone, não tem internet e você tem que dispor de recursos próprios para atender ao interior. Se prende uma pessoa e quer consultar os antecedentes dela, não tem como. É um sistema que já faliu porque não tem gestão própria, não tem gestão para mudar o sistema de segurança”, complementou.

CONCURSO PÚBLICO – Quando questionado sobre o efetivo policial civil do Estado, o delegado disse que é “carente”, que este é outro fator que precisa ser solucionado com urgência. “Que haja um concurso, porque a carência de escrivães de polícia, delegados e agentes de polícia é muito grande. O escrivão de polícia é a pedra fundamental dentro de uma delegacia e sem ele a polícia para. Recursos financeiros há. Não faz se não quiser.

Então que ela [governadora Suely Campos] faça o concurso em 2016, prevendo que se tome posse em 2017, porque, se não, quem paga o pato é a população”, alertou.

Francisco Araújo sugeriu que a administração fosse trocada. “A governadora precisa rever, colocar pessoas que tenham competência e que entendam de segurança pública para fazer o trabalho. Colocar pessoas que estão preocupadas em agradar a governadora, para falar o que ela quer ouvir e não falar a real situação, não funciona”, finalizou.

O OUTRO LADO – A Delegacia Geral informou que, como é de conhecimento de todos, os problemas enfrentados pela Polícia Civil, que foram herdados de governos anteriores. “Mesmo diante da atual situação econômica do País, esta gestão, por determinação do Governo do Estado, não tem medido esforços para sanar, na medida do possível, todos e quaisquer entraves que possam prejudicar o bom atendimento à população, buscando, inclusive, parceria com o Governo Federal e outras instituições”, afirmou em nota.

Informou ainda que está aberta ao diálogo e solicita a todos que tenham contribuições a dar para o bem da população roraimense, que procurem a Delegacia Geral para juntos construir e contribuir para uma Segurança Pública ideal. (J.B)