Cotidiano

Comerciantes veem na ‘Paixão de Cristo’ oportunidade de ganhar dinheiro extra

Ambulantes montam barracas nas proximidades do Complexo Cenográfico Estevam Santos

Com uma barraquinha improvisada, Maria do Rosário desfazia as quatro sacolas de mercadorias que trouxe de Manaus, no Amazonas, e organizava com cautela cada produto em um mostruário na vertical. A vendedora chegou a Roraima na manhã de ontem, 13, especialmente para a 35ª edição da Encenação da Paixão de Cristo, em Mucajaí. A intenção, de acordo com ela, é voltar ao Amazonas com “as sacolas vazias, tudo vendido e o bolso cheio”.

A cidade de Mucajaí estava lotada na véspera do feriado da Semana Santa. A equipe da Folha esteve no local para conferir de perto a organização do maior espetáculo a céu aberto do Estado. De cada lado da rua em frente ao Complexo Cenográfico Estevam Santos, ambulantes e trabalhadores informais montavam a estruturas em espaço de venda: mesas, cadeiras, tapumes, lonas e criatividade para atrair o cliente e o turista.

De acordo com os próprios moradores da localidade, há tempos que a cidade não recebia tantos visitantes. Depois de um passeio pela cidade, a Folha constatou que todos os hotéis e pousadas estavam com as vagas esgotadas. “Parece que a tradição da ‘Paixão de Cristo’ está voltando para Mucajaí. Ano passado e nos anos anteriores foi muito fraco. O evento perdeu a magia e a cidade ficou meio morta. Olha só como está agora, nem parece que estamos em uma cidade pequena e de interior”, disse a aposentada Rosana Peixoto.

Além do clima de festa, o aroma de comida sendo preparada tomava conta da rua. Bem ao lado da entrada do Complexo Cenográfico, Sansão Reis fazia os últimos ajustes para iniciar as vendas na Pastelaria Estrela, ao lado da esposa, filhos e netos. Prática e familiaridade com o evento, o microempreendedor já possuía. Segundo ele, a barraca é montada ali desde a primeira edição do espetáculo.

“Não é só pastel, não. Também vendo carne de sol, cachorro-quente e outras coisas. Tem comida para agradar todo mundo. Nos últimos quatro anos, me mudei para Boa Vista, mas como o evento voltou a ser o que era antes, também voltei a vender aqui. Viemos com tudo pronto. Só tenho um pedido e crítica construtiva a fazer: que a nova gestão invista e ajude na organização dos trabalhadores informais nesse período”, pediu Sansão, que também já estava com a barraca para dormir montada ao lado do pequeno empreendimento.

Apesar de vender um pouco de cada coisa, o forte mesmo de Sansão é o pastel. Para cada noite de evento, ele separou uma média de 30 a 40 quilos de massa, sendo que cada quilo é comprado a R$ 4,50. A unidade do pastel é vendida a R$ 4. “Dá para ganhar um dinheirinho bom”, garantiu.

A poucos metros de Sansão, do outro lado da rua, estava a indígena Santa Isabel Mesquita, de etnia Macuxi. Em cima de uma mesinha improvisada, ela organizou uma série de bijuterias artesanais produzidas com sementes e outros artefatos naturais. “Tiro da natureza o que vendo aqui. Tem colar feito de semente de açaí, brincos de penas e outras coisas”, afirmou, exibindo alguns produtos a preços inferiores a R$ 10.

Descendo a rua, bem na esquina, Severino Ferreira montou uma “arara” de roupas. Trabalhando com confecção há 40 anos, o microempreendedor chegou a Mucajaí na segunda-feira, 10. “As pessoas começam a se preparar para a festa com antecedência. Procuram roupas novas e é essa a hora que entro em cena. Antigamente, conseguia tirar uma média de R$ 300 a R$ 400 por dia. Mas o evento tinha dado uma ‘caída’. Está voltando ao sucesso agora. Amanhã já estou voltando para Boa Vista, mas deu para ter um retorno legal”, afirmou.

Lurdes e Graça também atuam no mercado da moda. Mas, no caso delas, é no setor primário: ambas produzem e confeccionam cada detalhe do figurino dos atores do espetáculo. Há 20 dias, mais ou menos, trabalhando em frente às maquinas de costura, elas estavam finalizando os últimos ajustes.

“Falta o ator nacional vir aqui ainda experimentar a roupa dele. Quero ver o ‘fuzuê’ na frente de casa, de gente querendo bater foto, mas só vai entrar ele mesmo”, disse a aposentada Lurdes Alves, antes de uma gargalhada. “Fui uma das fundadoras da ‘Paixão de Cristo’, atuei como a ‘viúva’ na época. Hoje fico apenas nos bastidores ajudando a vestir os atores”, disse, após a brincadeira.

Graça Ramos é técnica de enfermagem, além de costureira. Nas vésperas do evento, ela é liberada para se dedicar apenas aos figurinos. “As pessoas levam realmente a sério. As roupas das bailarinas, por exemplo, são as mais trabalhosas. Às vezes a gente fica aqui até três horas da manhã. Apesar de cansativo, é muito gratificante e compensador”, afirmou.

Já na principal avenida da cidade, o José Jesus estava terminando de fechar as últimas marmitas às 11h30 da manhã. O empresário possui um estabelecimento comercial duplo: restaurante e pousada. “Os quartos estão lotados e o movimento por aqui não para. Ficamos abertos direto, até 23h, sem intervalos. Por dia, costumo vender uma média de 100 refeições. Temos de tudo, só não vendemos bebidas alcoólicas”, garantiu. O quilo da comida é vendido a R$ 35 e a marmita pronta custa R$ 12. “São 18 anos de restaurante. Hoje estou feliz com os resultados e, principalmente, com o evento retornando. Mucajaí está com outra cara”, afirmou. (C.C)