Cotidiano

Casos de agressões a suspeitos de roubos e furtos se tornam constantes

Embora não haja registro policial, pessoas que cometem qualquer tipo de violência física a suspeito de roubos estão sujeitas a penalidades

Tornou-se cena comum, em Boa Vista, as agressões a pessoas suspeitas de furtos e assaltos em via pública, algumas vezes até mesmo com o linchamento dos suspeitos. Essas ocorrências aumentaram de forma significativa no último ano, coincidentemente com o aumento do fluxo de imigração desordenado. A Folha já noticiou por diversas vezes casos em que populares capturam o suspeito e o agridem até a chegada da polícia. 

Vários casos vêm ocorrendo. No final do mês passado, um elemento suspeito de tentar assaltar um taxista de lotação foi violentamente agredido no bairro 13 de Setembro, na zona Sul da Capital. Há pouco mais de um mês, no bairro Centenário, populares flagraram um homem tentando furtar a bateria de um caminhão e, quando a polícia chegou ao local, teve que encaminhar o suspeito para o Hospital Geral de Roraima, com inúmeros hematomas no rosto e corpo devido às agressões. Apesar de a situação ser revoltante para a vítima de assalto, a reação violenta também é considerada como crime. O delegado da Polícia Civil, Marcos Albano, afirmou que, se o agressor for conduzido à delegacia, ele vai responder pelo crime de lesão corporal, podendo ela ser leve, grave ou gravíssima, dependendo da extensão do ferimento.

“Os populares flagram o bandido, seguram ele, acionam a Polícia Militar, que por sua vez conduz à delegacia. Nesse período, até a chegada da viatura, o criminoso está sujeito a uma resposta violenta por parte dos populares”, disse o delegado ao explicar que, apesar de ser comum esse tipo de violência, a PM nunca conduz à delegacia algum popular acusado de violência. “Dificilmente a PM apresenta na delegacia quem agride o infrator. Mas, se for apresentado, ele responde as penas do artigo 129 do Código Penal”. O delegado ressaltou que a investigação tenta identificar as pessoas que agridem o infrator. “O fato de ter praticado um roubo ou um assalto não autoriza ninguém a fazer justiça com as próprias mãos. Infelizmente, apesar da revolta social, não é admitido pela legislação fazer isso e, até por assim dizer, pelas regras sociais, não se pode fazer isso, apesar da revolta por parte da população”, frisou.

Socióloga aponta descrédito na Justiça e no poder público como motivação

Atos de violência sob a justificativa de fazer justiça com as próprias mãos não é um fenômeno social recente. De acordo com a socióloga Adeline Carneiro, o exemplo mais antigo é a cultura da malhação do Judas, quando pessoas vão contra os ideais cristãos e fazem “justiça” com as próprias mãos em relação à traição de Cristo. Ela lembrou ainda que, sob várias ideologias, tal conduta encontra justificativas diversas desde o “olho por olho” até a falta de credibilidade nas instituições de segurança.

“Nas sociedades modernas, uma das obrigações do Estado é a segurança de seus cidadãos. O Estado tem o monopólio do uso da força, sem, contudo, garantir um clima de segurança e tranquilidade social. O que se vê são as próprias forças de segurança protagonizando situações de ilegalidade e violência. A sociedade acaba se vendo insegura e sem obrigação para com as normas e regras sociais estabelecidas”, explicou.

Ela apontou ainda que o descrédito na Justiça é um dos fatores alimentados pela insegurança. “Evidentemente que o entendimento e vivência do que venha a ser justiça carece de conhecimento, que muitas vezes não estão disponíveis para boa parcela da população, em especial a que depende de serviços públicos de educação deficitários”, disse.

A socióloga frisou que a sociedade que promove linchamentos é uma sociedade em que o medo e a insegurança predominam no imaginário coletivo. “Desse modo, observamos um ciclo vicioso que precisa ser enfrentado: corrupção nas instituições políticas impactam de formas diversas na segurança pública, que também acaba por se sentir ‘autorizada’ para descumprir as leis”.

Para solucionar este problema, Adeline afirmou que são necessários investimentos na educação e na segurança. “Precisamos formar cidadãos críticos que não elejam ou mantenham no poder político seus próprios algozes, e que façam o devido controle social das instituições públicas, pode ser uma das rotas de enfrentamento a este ciclo vicioso”, frisou.