Cotidiano

“Quando há desordem, perde-se o direito de manifestação”, diz prefeita

Munícipes fizeram um protesto na segunda-feira, 19, e expulsaram cerca de 200 venezuelanos que viviam em um abrigo improvisado

Após a manifestação que expulsou imigrantes venezuelanos de um abrigo improvisado no Município de Mucajaí, a cerca de 50 quilômetros da capital, nada se sabe sobre o paradeiro dos estrangeiros. O ato foi realizado na última segunda-feira, 19, por centenas de populares. A estimativa é que cerca de 200 venezuelanos estavam vivendo no local há cerca de quatro meses.

O abrigo era improvisado em um prédio do Governo do Estado que estava abandonado. Em outros mandatos, a instalação funcionava como Centro Social. A prefeita de Mucajaí, Eronildes Aparecida Gonçalves (PR), informou que a única ajuda solicitada pelas pessoas foi a instalação da energia elétrica no local.

Durante o protesto, os moradores invadiram o abrigo, expulsaram os imigrantes, jogaram os pertences na rua e depois atearam fogo. Para a prefeita, o direito de manifestação é perdido quando há mais desordem. “Faleceu uma pessoa bastante conhecida na cidade. A família então ficou nervosa e decidiu fazer o manifesto. Todo mundo tem direito, mas não quando tem desordem”, disse.

Desde o episódio, nenhum venezuelano foi visto no abrigo ou em qualquer outro prédio público da cidade, apesar de a prefeita acreditar que os imigrantes ainda estejam em Mucajaí. “Eles saíram com medo da população e do que poderia acontecer. Infelizmente eu só cheguei no final do manifesto. Eles não estão em local público e também não vieram procurar a prefeitura ou outro órgão”, explicou.

Para o delegado de Mucajaí, Paulo Henrique Moreira, toda manifestação pública é válida, desde que o direito de defesa não seja ultrapassado. “A manifestação inicial era de protesto em razão do ocorrido com o brasileiro. Mas, infelizmente a população adentrou no local onde os imigrantes estavam e fez tudo aquilo, sendo que eles não têm nada a ver com o caso, diga-se de passagem”, afirmou.

CASO – Moreira disse que o caso envolveu dois venezuelanos, autores do crime, contra o brasileiro Eulis Marinho de Souza, morto durante a briga. Um dos venezuelanos foi preso em flagrante e já está na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc). No entanto, o segundo venezuelano também veio a óbito durante a briga em razão de uma facada desferida no peito por um brasileiro. “O suspeito de matar o venezuelano ainda não foi identificado, então foi instaurado inquérito para apurar”, finalizou. (A.G.G)

Sociedade civil cobra providências de autoridades após protesto em Mucajaí

O protesto de brasileiros a imigrantes venezuelanos em um abrigo do Município de Mucajaí provocou a insatisfação de órgãos e pessoas que atuam na área dos Direitos Humanos no Estado. Um documento pedindo providências aos órgãos de controle foi protocolado na manhã de ontem, 20.

As reclamações foram protocoladas na Polícia Federal (PF) e no Ministério Público Federal em Roraima (MPF-RR) por Membros da Sociedade Civil Organizada, Ética e Cidadã dos Direitos Humanos do Estado de Roraima. No texto entregue, foram abordados o ferimento e descumprimento dos tratados e convenções internacionais celebrados pelo Governo Federal através de atos de desrespeito, abusos, xenofobia e agressão aos Direitos Humanos.

“É lamentável o que ocorreu em Mucajaí, onde moradores expulsaram os refugiados e atearam fogo em suas coisas, bem como famílias inteiras ficaram desoladas, largadas nas ruas e praças da cidade sem ter para onde ir e permanecem nesta situação até o presente momento”, diz trecho do documento.

Os signatários do documento também citam a utilização postagens em redes sociais com agressões verbais a imigrantes. O grupo alega que pouquíssimas vezes se têm notícias de providências tomadas contra essas práticas xenófobas por parte das instituições competentes. “A gente quer pedir providências às autoridades para que não haja mais mortes. Têm brasileiros pedindo o massacre e morte de venezuelanos e os órgãos têm que intervir, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal”, informou Lenildo Medeiros.

“É preciso apurar as coisas que aconteceram. Atearam fogo, expulsaram dos abrigos. Fomos cobrar providência dos órgãos por conta dessa afronta aos direitos humanos”, completou o advogado Carlos Nobre, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Roraima (OAB-RR).

PRÓXIMOS PASSOS – Nesta quarta-feira, 21, o grupo pretende se reunir com os representantes de organizações não-governamentais e da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) também para discutir o assunto. O intuito é elaborar um grupo observador para continuar cobrando providências dos órgãos de controle e acompanhar o desenrolar da questão no Estado.

Na próxima semana também está prevista a realização de uma audiência pública na Câmara Municipal de Boa Vista. A intenção é ampliar o debate entre sociedade civil organizada e autoridades públicas com a participação popular. (P.C)