Opinião

Opiniao 24 03 2018 5879

CATEDRAL “CRISTO REDENTOR”: QUARENTA E CINCO ANOS Parte II – Júlio Martins*

Sanar essa lacuna, construir a catedral, tendo em vista a estreiteza do meio, a escassez de recursos, as dificuldades logísticas da época, a magnitude e complexidade do projeto, parecia e era de fato algo como um desafio formidável à capacidade, à coragem e à razão dos homens que se arrimam em cálculos meramente humanos. Aceitar tal desafio… Todos recuavam. Ninguém se atrevia. Só mesmo um gigante ou um herói. Ou ambos encarnados num só personagem.

Esse gigante de fé e de coragem heróica finalmente apareceu aqui, em 1964, na pessoa amena, modesta e simples de dom Servílio Conti.

Quando ele deu início à obra, quatro anos depois de sua chegada, além de todas as dificuldades conhecidas, choveram recriminações e críticas de toda sorte. O governador da época, ao ser apresentado ao projeto, fez questão de timbrar toda a sua descrença, que, afinal, não era só sua, mas de muita gente, prometendo doar um sino de ouro, caso a obra fosse um dia concluída.

Fora longo recontar aqui a saga dos quatro breves/longos anos, que foi o tempo de duração da obra. Trabalhos, tropeços, estorvos por toda parte, casos, episódios divertidos uns, bizarros outros, também tristes, extravagantes…

Basta citar apenas um, talvez o mais notável: o naufrágio na cachoeira do Bem-Querer da embarcação carregada com todo o material para o acabamento da obra. Os vitrais coloridos, desenhados de acordo com a concepção do projeto e mais, alfaias e ornamentos valiosos, escolhidos pessoalmente por dom Servílio, na Itália, tudo foi parar no fundo do Rio Branco. É possível que ainda lá se encontrem. Sem estrada, o rio encachoeirado, precariamente navegável, era a única via de transporte e certamente o maior obstáculo à execução de projeto de tamanha envergadura.

Quem viu e viveu de perto tudo isso tem a convicção de que a Catedral Cristo Redentor é um monumento e um milagre da fé. A fé de dois povos distantes, díspares, mas unidos, irmanados na comunhão eclesial: o povo de Roraima e o povo do norte da Itália, especificamente da região de Bérgamo e da cidade natal de dom Servílio, aninhada entre montanhas e vales verdejantes, a pequena Gazzaniga. De lá, daquela gente simples, cuja vida se resume no trabalho e na oração, de seus donativos, grandes ou pequenos, mas sempre ofertados com amor, veio pelo menos a metade desta Catedral. E disso sou testemunha e meu testemunho é verdadeiro.

Mas esse milagre, Deus no-lo concedeu pelos méritos de dom Servílio Conti, o cavaleiro da fé, revestido de sua invicta armadura espiritual e de outro personagem extraordinário, que não pode ser esquecido, o irmão Pedro Menegon, também ele instrumento privilegiado da vontade divina. Como chefe e mestre do canteiro de obras, operava, quase todos os dias, prodígios de técnica e de criatividade para suprir deficiências, ultrapassar barreiras, levar avante a obra, que não podia parar.

Dizia santo Agostinho que o magnífico templo de Salomão, em Jerusalém, foi destruído e nunca mais se levantou, porque a realidade que ele representava deixou de existir. O verdadeiro templo, dizia ele, é o corpo de Cristo, que também foi destruído, mas ressurgiu glorioso, para nunca mais tombar. E todos nós, batizados, somos membros desse corpo místico e pedras vivas desse templo imperecível. Por conseguinte, o templo de pedra só é válido, bom e belo, quando é a projeção do templo interior, edificado no coração dos homens e das mulheres de boa vontade.

Isso para dizer que antes de construir a Catedral “Cristo Redentor”, talvez como prévia condição, dom Servílio Conti, em seu apostolado silencioso, de casa em casa, como costumava fazer, evangelizando com exemplos mais do que palavras, já havia construído milhares de pequenas catedrais no coração do povo católico de Roraima.

Dom Servílio Conti trazia na etimologia do seu nome o carisma e a vocação do servo, do serviço. Viveu para servir. Por isso mesmo, tornou-se um apóstolo nesta terra e um príncipe no reino do espírito. Ele provou, de maneira definitiva, a força do espírito, sempre superior à matéria bruta e às paixões brutais e, assim, a sua vida, a sua memória, para nós outros, pobres aprendizes da vida espiritual, será sempre um grande exemplo e uma doce consolação, que nunca será esquecida. Seus restos repousam aqui nesta Catedral, por ele construída e consagrada há quarenta e cinco anos, efeméride que hoje celebramos com alegria e genuína efusão. Curvemo-nos, meus irmãos, por um instante, com humildade e respeito, diante destas relíquias. São as relíquias de um grande homem, de um santo homem, que foi missionário nesta terra e, agora, na eternidade, seu benfeitor e protetor perpétuo. Ele há de viver para sempre na lembrança e na gratidão do povo de Roraima. Mas sabemos que ele já vive a eterna vida na mansão dos justos, onde recebeu a coroa de glória, brilhante como a estrela da manhã, que o Senhor tem preparada para os que, como ele, guardam a fé, cumprem a missão e perseveram até o fim.

*Foi vereador, prefeito, deputado federal e fez parte da Comissão de Construção da Catedral

Ensinando e aprendendo – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Incorpore o que você ensina e ensine o que você incorporou”. (Dan Milmann)

É de degrau em degrau que subimos. E quando sabemos subir aprendemos na subida. Recentemente andei dizendo pro pessoal que a cultura está na raiz da árvore e não no fruto. Dois anos atrás ouvi em Brasília, o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, dizer que o Ministério da Cultura nunca existira. Ele foi sempre um balcão de cadastros. Concordei com ele e continuo concordando. Desde o início do século vinte e um, toda esta década tem sido de lutas acirradas, hercúleas e cansativas, pra desenvolver a cultura no Brasil, partindo das raízes. É difícil pra dedéu, fazer entender a linguagem dos Pontos de Cultura. Continuamos achando que cultura é aquilo que adquirimos nas faculdades. E é nessa ilusão que uma esmagadora porcentagem dos advogados que se formam nas faculdades não consegue passar nos exames da OAB.

Sem um ensino fundamental de qualidade não conseguiremos ser profissionais qualificados. Simples pra dedéu. Há cinquenta anos venho lidando com as Relações Humanas no Trabalho e na Família. Meio século de luta para fazer os empreendedores ent
enderem a importância das relações humanas no trabalho. Mas difícil é fazê-los entender que não conseguiremos uma boa formação em relacionamentos, sem o básico e fundamental nas relações. E esse básico, já pela característica das Relações Humanas, vem na simplicidade da coisa. Ou seja, buscar o saber nas raízes do saber. O que vemos hoje, por exemplo, nas empresas que crescem aceleradamente, é um esforço cansativo para preparar funcionários nas relações no atendimento. Querem prepará-los por cima, comendo o fruto maduro sem dar atenção à raiz que alimentou o fruto. O resultado é sempre um atendimento de qualidade, mas artificial. Prepara-se o funcionário, mas não se prepara o ser humano.

O Ministério da Cultura vem tentando desatar esse nó há uma década. E a dificuldade está em fazer os “cultos” entenderem que a cultura que adquirimos nos livros é a que teríamos adquirido antes de aprender a ler. Deu pra sacar? Fazer os empreendedores entenderem que despesas com os treinamentos em Relações Humanas não são gastos, mas investimentos. E que a simplicidade no treinamento é o aprendizado mais eficiente. Sem o que, não há entendimento profundo. É partindo da raiz que chegamos à copa da árvore. Estamos crescendo num ritmo frenético e numa organização profissional indolente e mal formada. Corrigir amanhã custa mais do que construir hoje, com profissionalismo. Pense nisso.

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