Opinião

Opiniao 14 03 2018 5810

O refúgio dos canalhas – Jaime Brasil Filho*

O refúgio é a última opção do imigrante e a xenofobia é o último refúgio do canalha.

Quem não é imigrante neste mundo?

Você chegou aqui, quando? Porquanto tempo acha que irá permanecer? Acredita que vai levar alguma coisa? O que seria?

Por acaso a história das civilizações não é exatamente a história das movimentações dos povos sobre a crosta terrestre e através dos mares? Entre os rios Tigre e Eufrates, lembram? A Mesopotâmia nasce do ajuntamento de gentes vindas do extremo oriente, do sul da África, da Europa, do oeste saariano. Ali nasceu o que se chama de cultura ocidental. Pois é, é assim que nascem as grandes civilizações: com a troca de conhecimentos entre diferentes povos. Mas, também de experiências, de percepções, de vida. Todas nasceram da troca e da mistura.

A história do mundo é a história dos que caminharam e navegaram, dos que andam e flutuam, dos que se encontram nos entroncamentos, nas encruzilhadas. Essa é a nossa história. Mas, o xenófobo só pensa na sua pequenez, na sua mediocridade existencial, no seu falso conforto de quem acha que é daqui, e acredita que o mundo acaba ali no seu muro, no seu cartão de crédito, no seu espelho.

Quem é daqui? E quem apenas está aqui?

O que chamamos de civilização é justamente essa tentativa de irmos para além dos nossos instintos primitivos, do nosso Id cego, dos nossos impulsos egoístas e dominadores. Civilização é a tentativa de construções de valores que façam do mundo humano algo melhor do que o mundo natural, onde, quase sempre, o mais forte e adaptado vence e destrói o mais fraco. Em uma civilização verdadeira mais vale as qualidades de cada um do que suas debilidades, mas vale o organismo social com seus princípios do que os interesses mesquinhos e cínicos de um ou de outro.

É justamente por isso que o xenófobo tenta atacar vários valores civilizatórios: a solidariedade, a igualdade, o reconhecimento da importância do outro, a empatia, o acolhimento, o amor.

O xenófobo é canalha porque joga as sua mesquinhez, mediocridade e frustrações nas costas de alguém: do “outro”. Assim fez Hitler, Mussolini, Franco e todos os nazifascistas. Escolher alguém que está mais fraco para pôr a culpa do que está indo mal na sociedade, pois bem, essa é a lógica clássica dos canalhas.

O xenófobo é canalha porque se crê diferentemente superior. Ele procura diferenças em cada detalhe, para que os que têm menos poder jamais sejam seus semelhantes. Ele olha para a cor da pele, para o idioma, para os trejeitos, e a ideologia, para as roupas e não vê que tudo aquilo poderia enriquecê-lo como ser-humano, porque o xenófobo é pobre de espírito, coitado, não sabe se enriquecer com as diferenças.

O xenófobo é canalha porque é covarde. Atrás de discursos políticos, sociais, falaciosamente comparativos e até religiosos, o canalha finge bom senso para destilar o mais raso egoísmo. É covarde porque não assume que é xenófobo. Assim como o xenófobo nunca se acha semelhante ao imigrante, ele também nunca se acha semelhante a outro xenófobo. O xenófobo sempre acha que o “outro lá” é que é xenófobo, nunca ele.

A xenofobia é o pior dos preconceitos, porque nele o canalha consegue somar muitos outros: a cor da pele, a crença religiosa, o idioma, os costumes, a etnia. Tudo serve para que o xenófobo justifique dissimuladamente sua covardia e sua canalhice.

Você acha, realmente, que algo material, físico, pertence a você?

Nem tempo, nem espaço, nem nada que exista e ocorra em um e no outro, nada é nosso. Nem seu.

Há alguns dias perdemos um caro amigo, companheiro carnavalesco do nosso Bloco do Mujica. Morreu jovem. Mas, antes de morrer, deixou essa mensagem:

“No dia em que eu fizer a passagem, nada de baixo astral, quero que celebrem a vida, a amizade, cantem, sorriam, tomem umas geladas relembrando as coisas boas e loucas que fizemos, coloquem um som pra rolar e guardem o que valeu. Porque é só isso que vale a pena, amigos, o que levamos é só o que de bom fizemos, e os momentos felizes que vivemos com todos. Todos.”

O mundo seguirá sem o Luiz, nosso querido companheiro, e brevemente seguirá sem nós também. Mas, por outro lado, seguirá com gente indo e vindo de todos os lugares do mundo, e que passarão por aqui ou aqui viverão. Porque, como disse um outro amigo: Roraima é romaria! O mundo seguirá com nossos filhos e netos, que, talvez, serão imigrantes em algum lugar do mundo. Porque esse é o nosso mundo. De todos.

Como bem se pode tirar do velho ditado: os cachorros ladrarão e junto com eles os canalhas, covardes e xenófobos ladrarão, mas as caravanas cheias de gente e de vida passarão e criarão novos jeitos, novos sonhos, novas línguas, novos sons, novos sabores. Novas vidas.

“Nós também somos refugiados. Refogados nos suores frios da madrugada, afogados no destempero da angústia em conserva.

Estamos presentes nos hiatos, nos intervalos, no instante adormecido, nas palavras a tempo guilhotinadas, nas paradas bruscas, nos lusco-fuscos, nos moluscos mais moles, naquilo que engolimos sem mastigar.

Percorremos o caminho traçado pela emenda do azulejo que estilhaçara, pelas folhas secas que cruzaram oceanos.

Não ansiamos por termos vidas exemplares, para não nos saturarmos de caridoso tédio à beira mar. Eles são desses.

Somos daqueles outros.

De calcanhares rachados e pelos saindo das narinas, de indisposição fraterna e misantropia gregária, buscamos manter as mãos sobre os sexos alheios e os olhos no infinito.

Somos os párias da certeza, o desgarramento da dúvida, a incredulidade esculpida no sabão.

Porque nascemos, estamos à deriva.” (Jaime Brasil Filho)

Este artigo é dedicado ao querido Luiz Carlos Pereira (in memoriam), e às amadíssimas tias Consuelo Duarte e Clotilde Oliveira.

*Defensor Público

É hora de acordar – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Não h&aac
ute;, de forma nenhuma, futuro nenhum, em cavoucar-se continuamente o passado”. (John Schindler)

Com certeza, meu pai nunca leu o John Schindler, cujo livro foi publicado em 1954, nos Estados Unidos. Na época eu ainda era adolescente, quando um dia meu pai me corrigiu, com uma frase exatamente como ela está no livro do Schindler. Li-a ontem, por acaso. À época um colega meu estava muito irritado e eu o aconselhei:

– Você precisa controlar seus nervos. Você anda muito agitado.

Meu pai trabalhava, calmamente, na sua bancada, e sem se virar, corrigiu-me:

– Que é que os nervos dele têm a ver com isso? Os nervos são apenas condutores.

Ele disse isso e calou-se. E é claro, eu fiquei uma arara. Afinal de contas eu acabara de fazer o ginasial. Achava-me um jovem cheio de sabedoria. Por que discutir uma opinião da qual eu não entendia bulhufas? Mais de cinquenta anos se passaram e ontem, tirei da estante e abri o livro “Como Viver 365 Dias Por Ano”, do John A. Schindler. Meu olhar caiu, como se estivesse sendo atraído por um ímã, sobre a frase, exatamente como meu pai me dissera naquele dia: “Que é que os nervos dele têm a ver com isso? Os nervos são apenas condutores”. Como meu pai sabia disso, não sei. Afinal, ele era um simples marceneiro de pouca instrução e que nunca ouvira falar do Schindler.

A vida é assim. A sabedoria não nasceu conosco, nos dias atuais. Ao contrário, ainda não aprendemos a aprender com os antigos que sabiam e nunca conseguiram fazer que aprendêssemos com eles. Ainda estamos lutando, e muito, para aprender que a evolução da humanidade está exigindo mais de nós para conosco mesmo. Ainda não aprendemos o valor e a importância das relações interpessoais e humanas. Ainda não percebemos que as dificuldades enfrentadas na vida são fruto do nosso despreparo; e jogamos para escanteio as oportunidades que nos são dadas para nosso aprimoramento na nossa racionalidade. E que sem o aprimoramento não há crescimento intelectual, espiritual, profissional, nem racional.

Não perca a oportunidade que lhe for dada para você aprender. Mesmo que o aprendizado não seja convencional. Valorize-se para poder ser valorizado.

Se estiver encontrando dificuldade em encontrar o emprego de que precisa, veja primeiro, se você está preparado para ele. Se não estiver, prepare-se. E não se esqueça de que as relações humanas são fundamentais e imprescindíveis para o desenvolvimento pessoal. Se quisermos chegar onde queremos chegar, temos que aprende o caminho. E o caminho aqui é a qualificação. E qualificação é saber fazer, bem feito, o que devemos fazer. Pense nisso.

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