Jessé Souza

Negar eis a forca 4332

Negar, eis a força

Que ninguém se engane. Um dos grandes trunfos da internet, com a força que as redes sociais alcançaram, não é exatamente poder publicar tudo, sem qualquer censura, ou a possibilidade de qualquer pessoa poder opinar. O poder está em negar a realidade, fazendo com que as pessoas passem a acreditar em fatos irreais ou mesmo se posicionar contra seus próprios direitos ou interesses.

Não se trata exatamente do “Fake News”, usado estrategicamente nas últimas eleições presidenciais do Brasil e definitivamente consagrado nos Estados Unidos como tática para eleição de Donald Trump, que encarnou como marca de seu governo fanfarrão.

A negação da verdade é muito mais que isso, pois não se trata apenas de inventar uma mentira para enganar as pessoas, mas fazê-las negarem sua própria realidade e não enxergarem o que pode parecer óbvio diante dos fatos.

Um exemplo disso ocorreu na greve geral convocada pelas entidades sindicas de todo o país, no fim do mês passado. Enquanto os manifestantes estavam protestando contra as reformas previdenciárias e trabalhistas, que retiram direitos de aposentados que ganham um salário mínimo e trabalhadores assalariados, surgiram postagens nas redes sociais afirmando que, enquanto as pessoas queriam chegar ao seu local de trabalho, “desocupados” estavam interditando o trânsito.

Ou seja, enquanto trabalhadores estavam nas ruas reivindicando pelos direitos de todos, eles foram colocados na condição de vilões, como se fossem um bando de desocupados. E muitos acabaram concordando, pois a negação da realidade impede que se enxergue uma luta contra reformas que só mexem com os assalariados, enquanto os ricos (incluindo aí magistrados e parlamentares) não são atingidos por qualquer reforma nem as grandes fortunas são taxadas.

Trata-se de um momento delicado em que, para confundir, há um movimento forte que tenta fazer da realidade uma ficção, da verdade uma mentira, do fato um boato. E o argumento para sustentar essa “pós-verdade” é que tudo é relativo, que depende do ponto de vista, que é preciso respeitar o posicionamento dos outros, como se não fosse mais permitido contestar, contra-argumentar ou confrontar.

Para confundir ainda mais a realidade, essa corrente da negação confunde debate com xingamento, contraponto com ataques, opinião com ofensas. Não há mais debate, ou a pessoa acredita ou não acredita. E está mais fácil acreditar naquilo que é senso comum, que não precisa refletir ou ter visão crítica. É a negação de tudo aquilo que construímos inclusive o caráter, porque mentir se tornou “brincadeira”.*[email protected]: www.roraimadefato.com.br